FRATELLI TUTTI - quarto, quinto, sexto capítulos
- Frei Basílio de Resende ofm
- 7 de out. de 2021
- 51 min de leitura
Atualizado: 24 de out. de 2021
Capítulo IV
UM CORAÇÃO ABERTO AO MUNDO INTEIRO
128. Se esta afirmação – como seres humanos, somos irmãos e irmãs – não ficar pela
abstração mas se tornar verdade encarnada e concreta, coloca-nos uma série de desafios que nos fazem mover, obrigam a assumir novas perspectivas e produzir novas reações.
O limite das fronteiras
129. Quando o próximo é uma pessoa migrante, sobrevêm desafios complexos.[109] O ideal seria, sem dúvida, tornar desnecessárias as migrações e, para isso, o caminho é criar reais possibilidades de viver e crescer com dignidade nos países de origem, a fim de se poder encontrar lá as condições para o próprio desenvolvimento integral. Mas, enquanto não houver sérios progressos nesta linha, é nosso dever respeitar o direito que tem todo o ser humano de encontrar um lugar onde possa não apenas satisfazer as necessidades básicas dele e da sua família, mas também realizar-se plenamente como pessoa. Os nossos esforços a favor das pessoas migrantes que chegam podem resumir-se em quatro verbos: acolher, proteger, promover e integrar. Com efeito, «não se trata de impor do alto programas assistenciais, mas de percorrer unidos um caminho através destas quatro ações, para construir cidades e países que, mesmo conservando as respetivas identidades culturais e religiosas, estejam abertos às diferenças e saibam valorizá-las em nome da fraternidade humana».[110]
130. Isto implica algumas respostas indispensáveis, sobretudo em benefício daqueles que fogem de graves crises humanitárias. Por exemplo, incrementar e simplificar a concessão de vistos, adotar programas de patrocínio privado e comunitário, abrir corredores humanitários para os refugiados mais vulneráveis, oferecer um alojamento adequado e decente, garantir a segurança pessoal e o acesso aos serviços essenciais, assegurar uma adequada assistência consular, o direito de manter sempre consigo os documentos pessoais de identidade, um acesso imparcial à justiça, a possibilidade de abrir contas bancárias e a garantia do necessário para a subsistência vital, dar-lhes liberdade de movimento e a possibilidade de trabalhar, proteger os menores e assegurar-lhes o acesso regular à educação, prever programas de custódia temporária ou acolhimento, garantir a liberdade religiosa, promover a sua inserção social, favorecer a reunificação familiar e preparar as comunidades locais para os processos de integração.[111]
131. Para aqueles que chegaram há bastante tempo e já fazem parte do tecido social, é importante aplicar o conceito de cidadania, que «se baseia na igualdade dos direitos e dos deveres, sob cuja sombra todos gozam da justiça. Por isso, é necessário empenhar-se por estabelecer nas nossas sociedades o conceito de cidadania plena e renunciar ao uso discriminatório do termo minorias, que traz consigo as sementes de se sentir isolado e da inferioridade; isto prepara o terreno para as hostilidades e a discórdia e subtrai as conquistas e os direitos religiosos e civis de alguns cidadãos, discriminando-os».[112]
132. Além das várias ações indispensáveis, os Estados não podem incrementar, por conta própria, soluções adequadas, «porque as consequências das opções de cada um recaem inevitavelmente sobre toda a comunidade internacional». Assim, «as respostas só poderão ser fruto dum trabalho comum»,[113] gerando uma legislação (governance) global para as migrações. Em todo o caso, há necessidade de «estabelecer projetos de médio e longo prazo que ultrapassem a resposta de emergência; deveriam ajudar realmente à integração dos migrantes nos países de acolhimento e, ao mesmo tempo, favorecer o desenvolvimento dos países de origem com políticas solidárias, mas sem condicionar as ajudas a estratégias e práticas ideologicamente alheias ou contrárias às culturas dos povos a que se destinam».[114]
Os dons recíprocos
133. A chegada de pessoas diferentes, que provêm dum contexto vital e cultural distinto, transforma-se num dom, porque «as histórias dos migrantes são histórias também de encontro entre pessoas e entre culturas: para as comunidades e as sociedades de chegada são uma oportunidade de enriquecimento e desenvolvimento humano integral para todos».[115] Por isso, «peço especialmente aos jovens que não caiam nas redes de quem os quer contrapor a outros jovens que chegam aos seus países, fazendo-os ver como sujeitos perigosos e como se não tivessem a mesma dignidade inalienável de todo o ser humano».[116]
134. Entretanto quando se acolhe com todo o coração a pessoa diferente, permite-se-lhe continuar a ser ela própria, ao mesmo tempo que se lhe dá a possibilidade dum novo desenvolvimento. As várias culturas, cuja riqueza se foi criando ao longo dos séculos, devem ser salvaguardadas para que o mundo não fique mais pobre. Isso, porém, sem deixar de as estimular a que permitam surgir de si mesmas algo de novo no encontro com outras realidades. Não se pode ignorar o risco de acabarem vítimas duma esclerose cultural. Para isso, «precisamos de comunicar, descobrir as riquezas de cada um, valorizar aquilo que nos une e olhar as diferenças como possibilidades de crescimento no respeito por todos. Torna-se necessário um diálogo paciente e confiante, para que as pessoas, as famílias e as comunidades possam transmitir os valores da própria cultura e acolher o bem proveniente das experiências alheias».[117]
135. Retomo aqui um exemplo que dei há tempos: a cultura dos latinos é «um fermento de valores e possibilidades que pode fazer muito bem aos Estados Unidos (…). Uma intensa imigração acaba sempre por marcar e transformar a cultura dum lugar. (…) Na Argentina, a forte imigração italiana marcou a cultura da sociedade e, no estilo cultural de Buenos Aires, é muito visível a presença de aproximadamente 200.000 judeus. Se forem ajudados a integrar-se, os imigrantes são uma bênção, uma riqueza e um novo dom, que convida a sociedade a crescer».[118]
136. Numa perspectiva mais ampla, eu e o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb lembramos que «o relacionamento entre Ocidente e Oriente é uma necessidade mútua indiscutível, que não pode ser comutada nem transcurada, para que ambos se possam enriquecer mutuamente com a civilização do outro através da troca e do diálogo das culturas. O Ocidente poderia encontrar na civilização do Oriente remédios para algumas das suas doenças espirituais e religiosas causadas pelo domínio do materialismo. E o Oriente poderia encontrar na civilização do Ocidente tantos elementos que o podem ajudar a salvar-se da fragilidade, da divisão, do conflito e do declínio científico, técnico e cultural. É importante prestar atenção às diferenças religiosas, culturais e históricas que são uma componente essencial na formação da personalidade, da cultura e da civilização oriental; e é importante consolidar os direitos humanos gerais e comuns, para ajudar a garantir uma vida digna para todos os homens no Oriente e no Ocidente, evitando o uso da política de duas medidas».[119]
O intercâmbio fecundo
137. Na realidade, a ajuda mútua entre países acaba por beneficiar a todos. Um país que progride com base no seu substrato cultural original é um tesouro para toda a humanidade. Precisamos de fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém. A pobreza, a degradação, os sofrimentos dum lugar da terra são um silencioso terreno fértil de problemas que, finalmente, afetarão todo o planeta. Se nos preocupa o desaparecimento dalgumas espécies, deveria afligir-nos o pensamento de que em qualquer lugar possam existir pessoas e povos que não desenvolvem o seu potencial e a sua beleza por causa da pobreza ou doutros limites
estruturais. É que isto acaba por nos empobrecer a todos.
138. Se isto foi sempre verdade, hoje a certeza é maior do que nunca devido à realidade dum mundo tão interconectado pela globalização. Precisamos que um ordenamento jurídico, político e económico mundial «incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos».[120] Isto redundará em benefício de todo o planeta, porque «a ajuda ao desenvolvimento dos países pobres» trará «criação de riqueza para todos».[121] Do ponto de vista do desenvolvimento integral, isto pressupõe que se conceda «também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns»[122] e procure «incentivar o acesso ao mercado internacional dos países marcados pela pobreza e pelo subdesenvolvimento».[123]
Gratuitidade que acolhe
139. Todavia não quero limitar esta abordagem a qualquer forma de utilitarismo. Existe a gratuitidade: é a capacidade de fazer algumas coisas, pelo simples facto de serem boas, sem olhar a êxitos nem esperar receber imediatamente algo em troca. Isto permite acolher o estrangeiro, mesmo que não traga de imediato benefícios palpáveis. Mas há países que pretendem receber apenas cientistas ou investidores.
140. Quem não vive a gratuitidade fraterna, transforma a sua existência num comércio cheio de ansiedade: está sempre a medir aquilo que dá e o que recebe em troca. Em contrapartida, Deus dá de graça, chegando ao ponto de ajudar mesmo os que não são fiéis e «fazer com que o Sol se levante sobre os bons e os maus» (Mt 5, 45). Por isso, Jesus recomenda: «Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo» (Mt 6, 3-4). Recebemos a vida de graça; não pagamos por ela. De igual modo, todos podemos dar sem esperar recompensa, fazer o bem sem pretender outro tanto da pessoa que ajudamos. É aquilo que Jesus dizia aos seus discípulos: «Recebestes de graça, dai de graça» (Mt 10, 8).
141. A verdadeira qualidade dos diferentes países do mundo mede-se por esta capacidade de pensar não só como país, mas também como família humana; e isto comprova-se sobretudo nos períodos críticos. Os nacionalismos fechados manifestam, em última análise, esta incapacidade de gratuitidade, a errada persuasão de que podem desenvolver-se à margem da ruína dos outros e que, fechando-se aos demais, estarão mais protegidos. O migrante é visto como um usurpador, que nada oferece. Assim, chega-se a pensar ingenuamente que os pobres são perigosos ou inúteis; e os poderosos, generosos benfeitores. Só poderá ter futuro uma cultura sociopolítica que inclua o acolhimento gratuito.
Local e universal
142. Ocorre lembrar que, «entre a globalização e a localização, também se gera uma tensão. É preciso prestar atenção à dimensão global para não cair numa mesquinha quotidianidade. Ao mesmo tempo convém não perder de vista o que é local, que nos faz caminhar com os pés por terra. As duas coisas unidas impedem de cair em algum destes dois extremos: o primeiro, que os cidadãos vivam num universalismo abstrato e globalizante (...); o outro extremo é que se transformem num museu folclórico de eremitas localistas, condenados a repetir sempre as mesmas coisas, incapazes de se deixar interpelar pelo que é diverso e de apreciar a beleza que Deus espalha fora das suas fronteiras».[124] É preciso olhar para o global, que nos resgata da mesquinhez caseira. Quando a casa deixa de ser lar para se tornar confinamento, calabouço, resgata-nos o global, porque é como a causa final que nos atrai para a plenitude. Ao mesmo tempo temos de assumir intimamente o local, pois tem algo que o global não possui: ser fermento, enriquecer, colocar em marcha mecanismos de subsidiariedade. Portanto, a fraternidade universal e a amizade social dentro de cada sociedade são dois polos inseparáveis e ambos essenciais. Separá-los leva a uma deformação e a uma polarização nociva.
O sabor local
143. A solução não é uma abertura que renuncie ao próprio tesouro. Tal como não há diálogo com o outro sem identidade pessoal, assim também não há abertura entre povos senão a partir do amor à terra, ao povo, aos próprios traços culturais. Não me encontro com o outro, se não possuo um substrato onde estou firme e enraizado, pois é a partir dele que posso acolher o dom do outro e oferecer-lhe algo de autêntico. Só posso acolher quem é diferente e perceber a sua contribuição original, se estiver firmemente ancorado ao meu povo com a sua cultura. Cada qual ama e cuida, com particular responsabilidade, da sua terra e preocupa-se com o seu país, assim como deve amar e cuidar da própria casa para que não caia, ciente de que não o virão fazer os vizinhos. O próprio bem do mundo requer que cada um proteja e ame a sua própria terra; caso contrário, as consequências do desastre dum país repercutir-se-ão em todo o planeta. Isto baseia-se no sentido positivo do direito de propriedade: guardo e cultivo algo que possuo, a fim de que possa ser uma contribuição para o bem de todos.
144. Além disso, é um pressuposto para intercâmbios sadios e enriquecedores. A base adquirida a partir da experiência da vida transcorrida num certo lugar e numa determinada cultura é o que torna uma pessoa capaz de apreender aspetos da realidade que não conseguem entender tão facilmente quantos não possuem essa experiência. O universal não deve ser o domínio homogéneo, uniforme e padronizado duma única forma cultural imperante, que perderá as cores do poliedro e ficará enfadonha. É a tentação manifestada na antiga narração da Torre de Babel: a construção daquela torre que chegasse até ao céu não expressava a unidade entre vários povos capazes de comunicar segundo a própria diversidade; antes pelo contrário, foi uma tentativa, nascida do orgulho e da ambição humana, que visava criar uma unidade diferente da desejada por Deus no seu plano providencial para as nações (cf. Gn 11, 1-11).
145. Existe uma falsa abertura ao universal, que deriva da superficialidade vazia de quem não é capaz de compreender até ao fundo a sua pátria, ou de quem lida com um ressentimento não resolvido face ao seu povo. Em todo o caso, «é preciso alargar sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós. Mas há que o fazer sem se evadir nem se desenraizar. É necessário mergulhar as raízes na terra fértil e na história do próprio lugar, que é um dom de Deus. Trabalha-se no pequeno, no que está próximo, mas com uma perspectiva mais ampla. (...) Não é a esfera global que aniquila, nem a parte isolada que esteriliza».[125] É o poliedro, onde ao mesmo tempo que cada um é respeitado no seu valor, «o todo é mais que a parte, sendo também mais do que a simples soma delas».[126]
O horizonte universal
146. Há narcisismos bairristas que não expressam um amor sadio pelo próprio povo e a sua cultura. Escondem um espírito fechado que, devido a uma certa insegurança e medo do outro, prefere criar muralhas defensivas para sua salvaguarda. Mas não é possível ser saudavelmente local sem uma sincera e cordial abertura ao universal, sem se deixar interpelar pelo que acontece noutras partes, sem se deixar enriquecer por outras culturas, nem se solidarizar com os dramas dos outros povos. Este «localismo» encerra-se obsessivamente numas poucas ideias, costumes e seguranças, revelando-se incapaz de admirar as múltiplas possibilidades e belezas que oferece o mundo inteiro, e carecendo duma solidariedade autêntica e generosa. Deste modo, a vida local deixa de ser verdadeiramente receptiva, já não se deixa completar pelo outro; consequentemente, fica limitada nas suas possibilidades de desenvolvimento, torna-se estática e adoece. Na realidade, toda a cultura saudável é, por natureza, aberta e acolhedora, pelo que «uma cultura sem valores universais não é uma verdadeira cultura».[127]
147. Temos de reconhecer que quanto menor for a amplitude da mente e do coração duma pessoa, tanto menos poderá interpretar a realidade circundante em que está imersa. Sem o relacionamento e o confronto com quem é diferente, torna-se difícil ter um conhecimento claro e completo de si mesmo e da sua terra, uma vez que as outras culturas não constituem inimigos de quem seja preciso defender-se, mas reflexos distintos da riqueza inexaurível da vida humana. Ao olhar para si mesmo do ponto de vista do outro, de quem é diferente, cada um pode reconhecer melhor as peculiaridades da sua própria pessoa e cultura: as suas riquezas, possibilidades e limites. A experiência que se realiza num lugar deve desenvolver-se ora «em contraste» ora «em sintonia» com as experiências doutras pessoas que vivem em contextos culturais diversos.[128]
148. Na realidade, uma sã abertura nunca ameaça a identidade, porque, ao enriquecer-se com elementos doutros lugares, uma cultura viva não faz uma cópia nem mera repetição, mas integra as novidades segundo modalidades próprias. Isto provoca o nascimento duma nova síntese que, em última análise, beneficia a todos, já que a cultura donde provêm estas contribuições acaba mais devolvida. Por isso, exortei os povos nativos a cuidarem das suas próprias raízes e culturas ancestrais, mas esclarecendo que não era «minha intenção propor um indigenismo completamente fechado, a-histórico, estático, que se negue a toda e qualquer forma de mestiçagem», pois «a própria identidade cultural aprofunda-se e enriquece-se no diálogo com os que são diferentes, e o modo autêntico de a conservar não é um isolamento que empobrece».[129] O mundo cresce e enche-se de nova beleza, graças a sucessivas sínteses que se produzem entre culturas abertas, fora de qualquer imposição cultural.
149. Para estimular uma sadia relação entre o amor à pátria e uma cordial inserção na humanidade inteira, convém lembrar que a sociedade mundial não é o resultado da soma dos vários países, mas sim a própria comunhão que existe entre eles, a mútua inclusão que precede o aparecimento de todo o grupo particular. É neste entrelaçamento da comunhão universal que se integra cada grupo humano, e aí encontra a sua beleza. Assim, cada pessoa nascida num determinado contexto sabe que pertence a uma família maior, sem a qual não é possível ter uma compreensão plena de si mesma.
150. Esta abordagem exige, em última análise, que se aceite com alegria que nenhum povo, nenhuma cultura, nenhum indivíduo pode obter tudo de si mesmo. Os outros são, constitutivamente, necessários para a construção duma vida plena. A consciência do limite ou da exiguidade, longe de ser uma ameaça, torna-se a chave segundo a qual sonhar e elaborar um projeto comum. Com efeito, «o homem é o ser fronteiriço que não tem qualquer fronteira».[130]
A partir da própria região
151. Graças ao intercâmbio regional, a partir do qual os países mais frágeis se abrem ao mundo inteiro, é possível fazer com que as particularidades não se diluam na universalidade. Uma adequada e autêntica abertura ao mundo pressupõe a capacidade de se abrir ao vizinho, numa família de nações. A integração cultural, económica e política com os povos vizinhos deve ser acompanhada por um processo educativo que promova o valor do amor ao vizinho, primeiro exercício indispensável para se conseguir uma sadia integração universal.
152. Nalguns bairros populares, vive-se ainda aquele espírito de «vizinhança» segundo o qual cada um sente espontaneamente o dever de acompanhar e ajudar o vizinho. Nos lugares que conservam tais valores comunitários, as relações de proximidade são marcadas pela gratuitidade, solidariedade e reciprocidade, partindo do sentido de um «nós» do bairro.[131] Oxalá fosse possível viver isto também entre países vizinhos, com a capacidade de construir uma vizinhança cordial entre os seus povos. Mas as visões individualistas traduzem-se nas relações entre países. O risco de viver acautelando-nos uns dos outros, vendo os outros como concorrentes ou inimigos perigosos, é transferido para o relacionamento com os povos da região. Talvez tenhamos sido educados neste medo e nesta desconfiança.
153. Existem países poderosos e empresas grandes que lucram com este isolamento e preferem negociar com cada país separadamente. Entretanto, para os países pequenos ou pobres, abre-se a possibilidade de alcançar acordos regionais com os seus vizinhos, que lhes permitam negociar em bloco evitando tornar-se segmentos marginais e dependentes das grandes potências. Hoje nenhum Estado nacional isolado é capaz de garantir o bem comum da própria população.
Capítulo V
A MELHOR POLÍTICA
154. Para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum. Mas hoje, infelizmente, muitas vezes a política assume formas que dificultam o caminho para um mundo diferente.
Populismos e liberalismos
155. O desprezo pelos vulneráveis pode esconder-se em formas populistas que, demagogicamente, se servem deles para os seus fins, ou em formas liberais ao serviço dos interesses económicos dos poderosos. Em ambos os casos, é palpável a dificuldade de pensar num mundo aberto onde haja lugar para todos, que inclua os mais frágeis e respeite as diferentes culturas.
Popular ou populista
156. Nos últimos anos, os termos «populismo» e «populista» invadiram os meios de comunicação e a linguagem em geral, perdendo assim o valor que poderiam conter para compor uma das polaridades da sociedade dividida. Chegou-se ao ponto de pretender classificar os indivíduos, os grupos, as sociedades e os governos a partir da divisão binária «populista» ou «não populista». Já não é possível que alguém manifeste a sua opinião sobre um tema qualquer, sem tentarem classificá-lo num desses dois polos: umas vezes para o desacreditar injustamente, outras para o exaltar desmedidamente.
157. Mas a pretensão de introduzir o populismo como chave de leitura da realidade social contém outro ponto fraco: ignora a legitimidade da noção de povo. A tentativa de fazer desaparecer da linguagem esta categoria poderia levar à eliminação da própria palavra «democracia», cujo significado é precisamente «governo do povo». Contudo, para afirmar que a sociedade é mais do que a mera soma de indivíduos, necessita-se do termo «povo». A verdade é que há fenómenos sociais que estruturam as maiorias, existem megatendências e aspirações comunitárias; além disso, pode-se pensar em objetivos comuns, independentemente das diferenças, para implementar juntos um projeto compartilhado; enfim, é muito difícil projetar algo de grande a longo prazo, se não se consegue torná-lo um sonho coletivo. Tudo isto está expresso no substantivo «povo» e no adjetivo «popular». Se não se incluíssem na linguagem – juntamente com uma sólida crítica da demagogia –, ter-se-ia renunciado a um aspecto fundamental da realidade social.
158. Subjacente encontra-se um mal-entendido. «Povo não é uma categoria lógica, nem uma categoria mística, no sentido de que tudo o que faz o povo é bom, ou no sentido de que o povo seja uma entidade angelical. É uma categoria mítica. (...) Quando explicas o que é um povo, recorres a categorias lógicas porque precisas de o descrever: é verdade, elas são necessárias. Mas, deste modo, não consegues explicar o sentido de pertença a um povo; a palavra povo tem algo mais que não se pode explicar logicamente. Pertencer a um povo é fazer parte duma identidade comum, formada por vínculos sociais e culturais. E isto não é algo de automático; muito pelo contrário: é um processo lento e difícil... rumo a um projeto comum».[132]
159. Existem líderes populares, capazes de interpretar o sentir dum povo, a sua dinâmica cultural e as grandes tendências duma sociedade. O serviço que prestam, congregando e guiando, pode ser a base para um projeto duradouro de transformação e crescimento, que implica também a capacidade de ceder o lugar a outros na busca do bem comum. Mas degenera num populismo insano, quando se transforma na habilidade de alguém atrair consensos a fim de instrumentalizar politicamente a cultura do povo, sob qualquer sinal ideológico, ao serviço do seu projeto pessoal e da sua permanência no poder. Outras vezes, procura aumentar a popularidade fomentando as inclinações mais baixas e egoístas dalguns setores da população. E o caso agrava-se quando se pretende, com formas rudes ou subtis, o servilismo das instituições e da legalidade.
160. Os grupos populistas fechados deformam a palavra «povo», porque aquilo de que falam não é um verdadeiro povo. De facto, a categoria «povo» é aberta. Um povo vivo, dinâmico e com futuro é aquele que permanece constantemente aberto a novas sínteses assumindo em si o que é diverso. E fá-lo, não se negando a si mesmo, mas com a disposição de se deixar mover, interpelar, crescer, enriquecer por outros; e, assim, pode evoluir.
161. Outra expressão degenerada duma autoridade popular é a busca do interesse imediato. Responde-se a exigências populares, com o fim de ter garantido os votos ou o apoio do povo, mas sem avançar numa tarefa árdua e constante que proporcione às pessoas os recursos para o seu desenvolvimento, de modo que possam sustentar a vida com o seu esforço e criatividade. Nesta linha, deixei claro: «longe de mim propor um populismo irresponsável».[133] Por um lado, a superação da desigualdade requer que se desenvolva a economia, fazendo frutificar as potencialidades de cada região e assegurando assim uma equidade sustentável;[134] por outro, «os planos de assistência, que acorrem a determinadas emergências, deveriam considerar-se apenas como respostas provisórias».[135]
162. A grande questão é o trabalho. Ser verdadeiramente popular – porque promove o bem do povo – é garantir a todos a possibilidade de fazer germinar as sementes que Deus colocou em cada um, as suas capacidades, a sua iniciativa, as suas forças. Esta é a melhor ajuda para um pobre, o melhor caminho para uma existência digna. Por isso, insisto que «ajudar os pobres com o dinheiro deve sempre ser um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objetivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho».[136] Por mais que mudem os sistemas de produção, a política não pode renunciar ao objetivo de conseguir que a organização duma sociedade assegure a cada pessoa uma maneira de contribuir com as suas capacidades e o seu esforço. Com efeito, «não há pobreza pior do que aquela que priva do trabalho e da dignidade do trabalho».[137] Numa sociedade realmente desenvolvida, o trabalho é uma dimensão essencial da vida social, porque não é só um modo de ganhar o pão, mas também um meio para o crescimento pessoal, para estabelecer relações sadias, expressar-se a si próprio, partilhar dons, sentir-se corresponsável no desenvolvimento do mundo e, finalmente, viver como povo.
Valores e limites das visões liberais
163. A categoria de povo, que inclui intrinsecamente uma avaliação positiva dos vínculos comunitários e culturais, habitualmente é rejeitada pelas visões liberais individualistas, que consideram a sociedade como uma mera soma de interesses que coexistem. Falam de respeito pelas liberdades, mas sem a raiz duma narrativa comum. Em certos contextos, é frequente acusar como populistas quantos defendem os direitos dos mais frágeis da sociedade. Para as referidas visões, a categoria de povo é uma mitificação de algo que não existe na realidade. Aqui, porém, cria-se uma polarização desnecessária, pois nem a ideia de povo nem a de próximo são categorias puramente míticas ou românticas que excluam ou desprezem a organização social, a ciência e as instituições da sociedade civil.[138]
164. A caridade reúne as duas dimensões – a mítica e a institucional –, pois implica um caminho eficaz de transformação da história que exige incorporar tudo: instituições, direito, técnica, experiência, contribuições profissionais, análise científica, procedimentos administrativos… Porque, «de fato, não há vida privada, se não for protegida por uma ordem pública; um lar acolhedor doméstico não tem intimidade, se não estiver sob a tutela da legalidade, dum estado de tranquilidade fundado na lei e na força e com a condição dum mínimo de bem-estar garantido pela divisão do trabalho, pelas trocas comerciais, pela justiça social e pela cidadania política».[139]
165. A verdadeira caridade é capaz de incluir tudo isto na sua dedicação; e se se deve expressar no encontro de pessoa a pessoa, também consegue chegar a uma irmã, a um irmão distante e até desconhecido através dos vários recursos que as instituições duma sociedade organizada, livre e criativa são capazes de gerar. Se voltarmos ao caso do bom samaritano, vemos que até ele precisou da existência duma estalagem que lhe permitisse resolver o que não estava em condições de garantir sozinho, naquele momento. O amor ao próximo é realista, e não desperdiça nada que seja necessário para uma transformação da história que beneficie os últimos. Às vezes deparamo-nos com ideologias de esquerda ou pensamentos sociais cultivando hábitos individualistas e procedimentos ineficazes, porque beneficiam a poucos; entretanto a multidão dos abandonados fica à mercê da possível boa vontade de alguns. Isto demonstra que é necessário fazer crescer não só uma espiritualidade da fraternidade, mas também e ao mesmo tempo uma organização mundial mais eficiente para ajudar a resolver os problemas prementes dos abandonados que sofrem e morrem nos países pobres. Naturalmente isto implica que não exista apenas uma possível via de saída, uma única metodologia aceitável, uma receita econômica aplicável igualmente por todos, e pressupõe que mesmo a ciência mais rigorosa possa propor percursos diferentes.
166. A consistência de tudo isto poderá ser bem pouca, se perdermos a capacidade de reconhecer a necessidade duma mudança nos corações humanos, nos hábitos e estilos de vida. É o que acontece quando a propaganda política, os meios e os criadores de opinião pública persistem em fomentar uma cultura individualista e ingênua à vista de interesses econômicos desenfreados e da organização das sociedades ao serviço daqueles que já têm demasiado poder. Por isso, a minha crítica ao paradigma tecnocrático não significa que só procurando controlar os seus excessos é que poderemos estar seguros, já que o perigo maior não está nas coisas, nas realidades materiais, nas organizações, mas no modo como as pessoas se servem delas. A questão é a fragilidade humana, a tendência humana constante para o egoísmo, que faz parte daquilo que a tradição cristã chama «concupiscência»: a inclinação do ser humano a fechar-se na imanência do próprio eu, do seu grupo, dos seus interesses mesquinhos. Esta concupiscência não é um defeito do nosso tempo; existe desde que o homem é homem, limitando-se simplesmente a transformar-se, adquirir modalidades diferentes no decorrer dos séculos, utilizando os instrumentos que o momento histórico coloca à sua disposição. Mas, é possível dominá-la com a ajuda de Deus.
167. A tarefa educativa, o desenvolvimento de hábitos solidários, a capacidade de pensar a vida humana de forma mais integral, a profundidade espiritual são realidades necessárias para dar qualidade às relações humanas, de tal modo que seja a própria sociedade a reagir face às próprias injustiças, às aberrações, aos abusos dos poderes econômicos, tecnológicos, políticos e mediáticos. Há visões liberais que ignoram este fator da fragilidade humana e imaginam um mundo que corresponda a uma determinada ordem que poderia, por si só, assegurar o futuro e a solução de todos os problemas.
168. O mercado, por si só, não resolve tudo, embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de fé neoliberal. Trata-se dum pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas perante qualquer desafio que surja. O neoliberalismo reproduz-se sempre igual a si mesmo, recorrendo à mágica teoria do «derrame» ou do «gotejamento» – sem a nomear – como única via para resolver os problemas sociais. Não se dá conta de que a suposta redistribuição não resolve a desigualdade, sendo, esta, fonte de novas formas de violência que ameaçam o tecido social. Por um lado, é indispensável uma política econômica ativa, visando «promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial»,[140] para ser possível aumentar os postos de trabalho em vez de os reduzir. A especulação financeira, tendo a ganância de lucro fácil como objetivo fundamental, continua a fazer estragos. Por outro lado, «sem formas internas de solidariedade e de confiança mútua, o mercado não pode cumprir plenamente a própria função econômica. E, hoje, foi precisamente esta confiança que veio a faltar».[141] O fim da história não foi como previsto, tendo as receitas dogmáticas da teoria econômica imperante demonstrado que elas mesmas não são infalíveis. A fragilidade dos sistemas mundiais perante a pandemia evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado e que, além de reabilitar uma política saudável que não esteja sujeita aos ditames das finanças, «devemos voltar a pôr a dignidade humana no centro e sobre este pilar devem ser construídas as estruturas sociais alternativas de que precisamos».[142]
169. Em determinadas visões econômicas fechadas e monocromáticas, parece que não têm lugar, por exemplo, os Movimentos Populares que reúnem desempregados, trabalhadores precários e informais e tantos outros que não entram facilmente nos canais já estabelecidos. Na realidade, criam variadas formas de economia popular e de produção comunitária. É necessário pensar a participação social, política e econômica segundo modalidades tais «que incluam os movimentos populares e animem as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com aquela torrente de energia moral que nasce da integração dos excluídos na construção do destino comum» e, por sua vez, se incentive a que «estes movimentos, estas experiências de solidariedade que crescem de baixo, do subsolo do planeta, confluam, sejam mais coordenados, se encontrem».[143] Mas fazê-lo sem trair o seu estilo caraterístico, porque são «semeadores de mudanças, promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas de modo criativo, como numa poesia».[144] Neste sentido, são «poetas sociais» que à sua maneira trabalham, propõem, promovem e libertam. Com eles, será possível um desenvolvimento humano integral, que implica superar «a ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres, e muito menos inserida num projeto que reúna os povos».[145] Embora incomodem e mesmo se alguns «pensadores» não sabem como classificá-los, é preciso ter a coragem de reconhecer que, sem eles, «a democracia atrofia-se, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai-se desencarnando porque deixa fora o povo na sua luta diária pela dignidade, na construção de seu destino».[146]
O poder internacional
170. Deixai-me repetir aqui que «a crise financeira dos anos 2007 e 2008 era a ocasião para o desenvolvimento duma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova regulamentação da atividade financeira especulativa e da riqueza virtual. Mas não houve uma reação que fizesse repensar os critérios obsoletos que continuam a governar o mundo».[147] Antes pelo contrário, parece que as reais estratégias, posteriormente desenvolvidas no mundo, se têm orientado para maior individualismo, menor integração, maior liberdade para os que são verdadeiramente poderosos e sempre encontram maneira de escapar ilesos.
171. Gostaria de insistir no fato que «dar a cada um o que lhe é devido, segundo a definição clássica de justiça, significa que nenhum indivíduo ou grupo humano se pode considerar onipotente, autorizado a pisar a dignidade e os direitos dos outros indivíduos ou dos grupos sociais. A efetiva distribuição do poder, sobretudo político, econômico, militar e tecnológico, entre uma pluralidade de sujeitos e a criação dum sistema jurídico de regulação das reivindicações e dos interesses realiza a limitação do poder. Mas, hoje, o panorama mundial apresenta-nos muitos direitos falsos e, ao mesmo tempo, amplos setores sem proteção, vítimas inclusivamente dum mau exercício do poder».[148]
172. O século XXI «assiste a uma perda de poder dos Estados nacionais, sobretudo porque a dimensão econômico-financeira, de caráter transnacional, tende a prevalecer sobre a política. Neste contexto, torna-se indispensável a maturação de instituições internacionais mais fortes e eficazmente organizadas, com autoridades designadas de maneira imparcial por meio de acordos entre governos nacionais e dotadas de poder de sancionar».[149] Quando se fala duma possível forma de autoridade mundial regulada pelo direito,[150] não se deve necessariamente pensar numa autoridade pessoal. Mas deveria prever pelo menos a criação de organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial, a erradicação da fome e da miséria e a justa defesa dos direitos humanos fundamentais.
173. Nesta linha, lembro que é necessária uma reforma «quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitetura econômica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações».[151] Isto pressupõe, sem dúvida, limites jurídicos precisos para evitar que seja uma autoridade cooptada por poucos países e, ao mesmo tempo, para impedir imposições culturais ou a redução das liberdades básicas das nações mais frágeis por causa de diferenças ideológicas. Na verdade, «a comunidade internacional é uma comunidade jurídica fundada sobre a soberania de cada Estado-membro, sem vínculos de subordinação que neguem ou limitem a cada qual a sua independência».[152] Com efeito, «a tarefa das Nações Unidas, com base nos postulados do Preâmbulo e dos primeiros artigos da sua Carta constitucional, pode ser vista como o desenvolvimento e a promoção da soberania do direito, sabendo que a justiça é um requisito indispensável para se realizar o ideal da fraternidade universal. (…) É preciso garantir o domínio incontrastado do direito e o recurso incansável às negociações, aos mediadores e à arbitragem, como é proposto pela Carta das Nações Unidas, verdadeira norma jurídica fundamental».[153] É necessário evitar que esta Organização seja deslegitimada, pois os seus problemas ou deficiências podem ser enfrentados e resolvidos em conjunto.
174. Requer-se coragem e generosidade para estabelecer livremente certos objetivos comuns e assegurar o cumprimento em todo o mundo dalgumas normas essenciais. Para que isto seja verdadeiramente útil, deve-se apoiar «a exigência de fazer fé nos compromissos subscritos (pacta sunt servanda)»,[154] a fim de evitar «a tentação de fazer apelo mais ao direito da força que à força do direito».[155] Nesta perspectiva, «os instrumentos normativos para a solução pacífica das controvérsias devem ser repensados de tal modo que lhes sejam reforçados o alcance e a obrigatoriedade».[156] Dentre esses instrumentos normativos, há que favorecer os acordos multilaterais entre os Estados, porque garantem melhor do que os acordos bilaterais o cuidado dum bem comum realmente universal e a tutela dos Estados mais vulneráveis.
175. Graças a Deus, muitos grupos e organizações da sociedade civil ajudam a compensar as debilidades da Comunidade Internacional, a sua falta de coordenação em situações complexas, a sua carência de atenção relativamente a direitos humanos fundamentais e a situações muito críticas de alguns grupos. Assim, adquire uma expressão concreta o princípio da subsidiariedade, que garante a participação e a ação das comunidades e organizações de nível menor, que integram de modo complementar a ação do Estado. Muitas vezes, realizam esforços admiráveis com o pensamento no bem comum, e alguns dos seus membros chegam a cumprir gestos verdadeiramente heroicos que mostram de quanta bondade ainda é capaz a nossa humanidade.
Uma caridade social e política
176. Atualmente muitos possuem uma má noção da política, e não se pode ignorar que frequentemente, por trás deste fato, estão os erros, a corrupção e a ineficiência de alguns políticos. A isto vêm juntar-se as estratégias que visam enfraquecê-la, substituí-la pela economia ou dominá-la por alguma ideologia. E, contudo poderá o mundo funcionar sem política? Poderá encontrar um caminho eficaz para a fraternidade universal e a paz social sem uma boa política?[157]
A política necessária
177. Gostaria de insistir que «a política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia».[158] Embora se deva rejeitar o mau uso do poder, a corrupção, a falta de respeito das leis e a ineficiência, «não se pode justificar uma economia sem política, porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspectos da crise atual».[159] Pelo contrário, «precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo - num diálogo interdisciplinar - os vários aspectos da crise».[160] Penso numa «política salutar, capaz de reformar as instituições, coordená-las e dotá-las de bons procedimentos, que permitam superar pressões e inércias viciosas».[161] Não se pode pedir isto à economia, nem aceitar que ela assuma o poder real do Estado.
178. Perante tantas formas de política mesquinhas e fixadas no interesse imediato, lembro que «a grandeza política mostra-se quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em grandes princípios e pensando no bem comum a longo prazo. O poder político tem muita dificuldade em assumir este dever num projeto de nação»[162] e, mais ainda, num projeto comum para a humanidade presente e futura. Pensar nos que hão de vir não tem utilidade para fins eleitorais, mas é o que exige uma justiça autêntica, porque, como ensinaram os bispos de Portugal, a terra «é um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte».[163]
179. A sociedade mundial tem graves carências estruturais que não se resolvem com remendos ou soluções rápidas meramente ocasionais. Há coisas que devem ser mudadas com reajustamentos profundos e transformações importantes. E só uma política sã poderia conduzir o processo, envolvendo os mais diversos setores e os conhecimentos mais variados. Desta forma, uma economia integrada num projeto político, social, cultural e popular que vise o bem comum pode «abrir caminho a oportunidades diferentes, que não implica frenar a criatividade humana nem o seu sonho de progresso, mas orientar esta energia por novos canais».[164]
O amor político
180. Reconhecer todo o ser humano como um irmão ou uma irmã e procurar uma amizade social que integre a todos não são meras utopias. Exigem a decisão e a capacidade de encontrar os percursos eficazes, que assegurem a sua real possibilidade. Todo e qualquer esforço nesta linha torna-se um exercício alto da caridade. Com efeito, um indivíduo pode ajudar uma pessoa necessitada, mas, quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos, entra no «campo da caridade mais ampla, a caridade política».[165] Trata-se de avançar para uma ordem social e política, cuja alma seja a caridade social.[166] Convido uma vez mais a revalorizar a política, que «é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas de caridade, porque busca o bem comum».[167]
181. Todos os compromissos decorrentes da doutrina social da Igreja «derivam da caridade que é – como ensinou Jesus – a síntese de toda a Lei (cf. Mt 22, 36-40)».[168] Isto exige reconhecer que «o amor, cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo, é também civil e político, manifestando-se em todas as ações que procuram construir um mundo melhor».[169] Por este motivo, o amor expressa-se não só nas relações íntimas e próximas, mas também nas «macrorrelações como relacionamentos sociais, econômicos e políticos».[170]
182. Esta caridade política supõe ter maturado um sentido social que supere toda a mentalidade individualista: «A caridade social leva-nos a amar o bem comum e a buscar efetivamente o bem de todas as pessoas, consideradas não só individualmente, mas também na dimensão social que as une».[171] Cada um é plenamente pessoa quando pertence a um povo e, vice-versa, não há um verdadeiro povo sem referência ao rosto de cada pessoa. Povo e pessoa são termos correlativos. Contudo, hoje, pretende-se reduzir as pessoas a indivíduos facilmente manipuláveis por poderes que visam interesses ilegítimos. A boa política procura caminhos de construção de comunidade nos diferentes níveis da vida social, a fim de reequilibrar e reordenar a globalização para evitar os seus efeitos desagregadores.
Amor eficaz
183. A partir do «amor social»,[172] é possível avançar para uma civilização do amor a que todos nos podemos sentir chamados. Com o seu dinamismo universal, a caridade pode construir um mundo novo,[173] porque não é um sentimento estéril, mas o modo melhor de alcançar vias eficazes de desenvolvimento para todos. O amor social é uma «força capaz de suscitar novas vias para enfrentar os problemas do mundo de hoje e renovar profundamente, desde o interior, as estruturas, organizações sociais, ordenamentos jurídicos».[174]
184. A caridade está no centro de toda a vida social sadia e aberta. Todavia, hoje, «não é difícil ouvir declarar a sua irrelevância para interpretar e orientar as responsabilidades morais».[175] É muito mais do que um sentimentalismo subjetivo, naturalmente se aparece unida ao compromisso com a verdade, para que não acabe «prisioneira das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos».[176] É precisamente a relação da caridade com a verdade que favorece o seu universalismo, evitando assim que ela acabe «confinada num âmbito restrito e carente de relações».[177] Caso contrário, será «excluída dos projetos e processos de construção dum desenvolvimento humano de alcance universal, no diálogo entre o saber e a realização prática».[178] Privada da verdade, a emotividade fica sem conteúdos relacionais e sociais. Por isso, a abertura à verdade protege a caridade duma fé falsa, que a priva de «amplitude humana e universal».[179]
185. A caridade precisa da luz da verdade, que buscamos constantemente, e «esta luz é simultaneamente a luz da razão e a da fé»,[180] sem relativismos. Isto supõe também o desenvolvimento das ciências e a sua contribuição insubstituível para encontrar os percursos concretos e mais seguros para alcançar os resultados esperados. Com efeito, quando está em jogo o bem dos outros, não bastam as boas intenções, mas é preciso conseguir efetivamente aquilo de que eles e seus países necessitam para se realizar.
A atividade do amor político
186. Existe o chamado amor «elícito»: expressa os atos que brotam diretamente da virtude da caridade, dirigidos a pessoas e povos. Mas há também um amor «imperado»: traduz os atos de caridade que nos impelem a criar instituições mais sadias, regulamentos mais justos, estruturas mais solidárias.[181] Por isso, é «um ato de caridade, igualmente indispensável, o empenho com o objetivo de organizar e estruturar a sociedade de modo que o próximo não se venha a encontrar na miséria».[182] É caridade acompanhar uma pessoa que sofre, mas é caridade também tudo o que se realiza – mesmo sem ter contacto direto com essa pessoa – para modificar as condições sociais que provocam o seu sofrimento. Alguém ajuda um idoso a atravessar um rio, e isto é caridade primorosa; mas o político constrói-lhe uma ponte, e isto também é caridade. É caridade se alguém ajuda outra pessoa fornecendo-lhe comida, mas o político cria-lhe um emprego, exercendo uma forma sublime de caridade que enobrece a sua ação política.
Os sacrifícios do amor
187. Esta caridade, coração do espírito da política, é sempre um amor preferencial pelos últimos, que subjaz a todas as ações realizadas em seu favor.[183] Só com um olhar cujo horizonte esteja transformado pela caridade, levando-nos a perceber a dignidade do outro, é que os pobres são reconhecidos e apreciados na sua dignidade imensa, respeitados no seu estilo próprio e cultura e, por conseguinte, verdadeiramente integrados na sociedade. Um tal olhar é o núcleo do autêntico espírito da política. Os caminhos que se abrem a partir dele, são diferentes dos caminhos dum pragmatismo sem alma. Por exemplo, «não se pode enfrentar o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que só tranquilizam e transformam os pobres em seres domesticados e inofensivos. Como é triste ver que, por detrás de presumíveis obras altruístas, o outro é reduzido à passividade».[184] O necessário é haver distintos canais de expressão e participação social. A educação está ao serviço deste caminho, para que cada ser humano possa ser artífice do seu destino. Demonstra aqui o seu valor o princípio de subsidiariedade, inseparável do princípio de solidariedade.
188. Isto demonstra a urgência de se encontrar uma solução para tudo o que atenta contra os direitos humanos fundamentais. Os políticos são chamados a «cuidar da fragilidade, da fragilidade dos povos e das pessoas. Cuidar da fragilidade quer dizer força e ternura, luta e fecundidade, no meio dum modelo funcionalista e individualista que conduz inexoravelmente à “cultura do descarte” (…); significa assumir o presente na sua situação mais marginal e angustiante e ser capaz de ungi-lo de dignidade».[185] Embora acarrete certamente imenso trabalho, «que tudo se faça para tutelar a condição e a dignidade da pessoa humana»![186] O político é operoso, é um construtor com grandes objetivos, com olhar amplo, realista e pragmático, inclusive para além do seu próprio país. As maiores preocupações dum político não deveriam ser as causadas por uma descida nas sondagens, mas por não encontrar uma solução eficaz para «o fenômeno da exclusão social e econômica, com suas tristes consequências de tráfico de seres humanos, tráfico de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de meninos e meninas, trabalho escravo, incluindo a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo e criminalidade internacional organizada. Tal é a magnitude destas situações e o número de vidas inocentes envolvidas que devemos evitar qualquer tentação de cair num nominalismo declamatório com efeito tranquilizador sobre as consciências. Devemos ter cuidado com as nossas instituições para que sejam realmente eficazes na luta contra estes flagelos».[187] Consegue-se isto, aproveitando de forma inteligente os grandes recursos do desenvolvimento tecnológico.
189. Ainda estamos longe duma globalização dos direitos humanos mais essenciais. Por isso a política mundial não pode deixar de colocar entre seus objetivos principais e irrenunciáveis o de eliminar efetivamente a fome. Com efeito, «quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como uma mercadoria qualquer, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isto constitui um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável».[188] Muitas vezes hoje, enquanto nos enredamos em discussões semânticas ou ideológicas, deixamos que irmãos e irmãs morram ainda de fome ou de sede, sem um teto ou sem acesso a serviços de saúde. Juntamente com estas necessidades elementares por satisfazer, outra vergonha para a humanidade que a política internacional não deveria continuar a tolerar – não se ficando por discursos e boas intenções – é o tráfico de pessoas. Trata-se daquele mínimo que não se pode adiar mais.
Amor que integra e reúne
190. A caridade política expressa-se também na abertura a todos. Sobretudo o governante é chamado a renúncias que tornem possível o encontro, procurando a convergência pelo menos nalguns temas. Sabe escutar o ponto de vista do outro, facilitando um espaço a todos. Com renúncias e paciência, um governante pode ajudar a criar aquele poliedro bom onde todos encontram um lugar. Nisto, não resultam as negociações de tipo econômico; é algo mais: é um intercâmbio de dons a favor do bem comum. Parece uma utopia ingênua, mas não podemos renunciar a este sublime objetivo.
191. Vendo que todo o tipo de intolerância fundamentalista danifica as relações entre pessoas, grupos e povos, comprometamo-nos a viver e ensinar o valor do respeito, o amor capaz de aceitar as várias diferenças, a prioridade da dignidade de todo o ser humano sobre quaisquer ideias, sentimentos, atividades e até pecados que possa ter. Enquanto os fanatismos, as lógicas fechadas e a fragmentação social e cultural proliferam na sociedade atual, um bom político dá o primeiro passo para que se ouçam as diferentes vozes. É verdade que as diferenças geram conflitos, mas a uniformidade gera asfixia e neutraliza-nos culturalmente. Não nos resignemos a viver fechados num fragmento da realidade.
192. Neste contexto, gostaria de lembrar que eu juntamente com o Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb pedimos «aos artífices da política internacional e da economia mundial, para se comprometer seriamente na difusão da tolerância, da convivência e da paz; para intervir, o mais breve possível, a fim de se impedir o derramamento de sangue inocente».[189] E quando uma determinada política semeia o ódio e o medo em relação a outras nações em nome do bem do próprio país, é necessário estar alerta, reagir a tempo e corrigir imediatamente o rumo.
Mais fecundidade que resultados
193. Ao mesmo tempo que realiza esta atividade incansável, cada político permanece um ser humano, chamado a viver o amor nas suas relações interpessoais diárias. É uma pessoa e precisa de se dar conta que «o mundo moderno, devido à sua perfeição técnica, tende a racionalizar cada vez mais a satisfação dos desejos humanos, classificados e distribuídos entre vários serviços. Um homem é chamado cada vez menos pelo seu próprio nome, cada vez menos será tratado como pessoa este ser, único no mundo, que tem o seu próprio coração, os seus sofrimentos, problemas e alegrias e a sua própria família. Só se conhecerão as suas doenças para tratá-las, a sua falta de dinheiro para fornecê-lo, a sua necessidade de casa para alojá-lo, o seu desejo de lazer e de distrações para lhos organizar». E contudo «amar o mais insignificante dos seres humanos como a um irmão, como se existisse apenas ele no mundo, não é perder tempo».[190]
194. Na política, há lugar também para amar com ternura. «Em que consiste a ternura? No amor, que se torna próximo e concreto. É um movimento que brota do coração e chega aos olhos, aos ouvidos e às mãos. (...) A ternura é o caminho que percorreram os homens e as mulheres mais corajosos e fortes».[191] No meio da atividade política, «os mais pequeninos, frágeis e pobres devem enternecer-nos: eles têm o “direito” de arrebatar a nossa alma, o nosso coração. Sim, eles são nossos irmãos e, como tais, devemos amá-los e tratá-los».[192]
195. Isto ajuda-nos a reconhecer que nem sempre se trata de obter grandes resultados, que às vezes não são possíveis. Na atividade política, é preciso recordar-se de que «independentemente da aparência, cada um é imensamente sagrado e merece o nosso afeto e a nossa dedicação. Por isso, se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida. É maravilhoso ser povo fiel de Deus. E ganhamos plenitude, quando derrubamos os muros e o coração se enche de rostos e de nomes!»[193] Os grandes objetivos, sonhados nas estratégias, só em parte se alcançam. Mas, sem olhar a isso, quem ama e deixou de entender a política como uma mera busca de poder «está seguro de que não se perde nenhuma das suas obras feitas com amor, não se perde nenhuma das suas preocupações sinceras com os outros, não se perde nenhum ato de amor a Deus, não se perde nenhuma das suas generosas fadigas, não se perde nenhuma dolorosa paciência. Tudo isto circula pelo mundo como uma força de vida».[194]
196. Por outro lado, é grande nobreza ser capaz de desencadear processos cujos frutos serão colhidos por outros, com a esperança colocada na força secreta do bem que se semeia. Ao amor, a boa política une a esperança, a confiança nas reservas de bem que, apesar de tudo, existem no coração do povo. Por isso, «a vida política autêntica, que se funda no direito e num diálogo leal entre os sujeitos, renova-se com a convicção de que cada mulher, cada homem e cada geração encerram em si uma promessa que pode irradiar novas energias relacionais, intelectuais, culturais e espirituais».[195]
197. Vista desta maneira, a política é mais nobre do que a aparência, o marketing, as diferentes formas de maquilhagem mediática. Tudo isto semeia apenas divisão, inimizade e um ceticismo desolador incapaz de apelar para um projeto comum. Ao pensar no futuro, alguns dias as perguntas devem ser: «Para quê? Para onde estou realmente apontando?» Passados alguns anos, ao refletir sobre o próprio passado, a pergunta não será: «Quantos me aprovaram, quantos votaram em mim, quantos tiveram uma imagem positiva de mim?» As perguntas, talvez dolorosas, serão: «Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que fiz progredir o povo? Que marcas deixei na vida da sociedade? Que laços reais construí? Que forças positivas desencadeei? Quanta paz social semeei? Que produzi no lugar que me foi confiado?»
Capítulo VI
DIÁLOGO E AMIZADE SOCIAL
198. Aproximar-se, expressar-se, ouvir-se, olhar-se, conhecer-se, esforçar-se por entender-se, procurar pontos de contacto: tudo isto se resume no verbo «dialogar». Para nos encontrar e ajudar mutuamente, precisamos de dialogar. Não é necessário dizer para que serve o diálogo; é suficiente pensar como seria o mundo sem o diálogo paciente de tantas pessoas generosas, que mantiveram unidas famílias e comunidades. O diálogo perseverante e corajoso não faz notícia como as desavenças e os conflitos; e contudo, de forma discreta mas muito mais do que possamos notar, ajuda o mundo a viver melhor.
O diálogo social para uma nova cultura
199. Alguns tentam fugir da realidade, refugiando-se em mundos privados, enquanto outros a enfrentam com violência destrutiva, mas «entre a indiferença egoísta e o protesto violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações, o diálogo no povo, porque todos somos povo, a capacidade de dar e receber, permanecendo abertos à verdade. Um país cresce quando dialogam de modo construtivo as suas diversas riquezas culturais: a cultura popular, a cultura universitária, a cultura juvenil, a cultura artística e a cultura tecnológica, a cultura económica e a cultura da família, e a cultura dos meios de comunicação».[196]
200. Muitas vezes confunde-se o diálogo com algo muito diferente: uma troca febril de opiniões nas redes sociais, muitas vezes pilotada por uma informação mediática nem sempre fiável. Não passam de monólogos que avançam em paralelo, talvez impondo-se à atenção dos outros pelo seu tom alto e agressivo. Mas os monólogos não empenham a ninguém, a ponto de os seus conteúdos aparecerem, não raro, oportunistas e contraditórios.
201. A difusão altissonante de fatos e reivindicações nos media, na realidade o que faz muitas vezes é obstruir as possibilidades do diálogo, pois permite a cada um manter, intactas e sem variantes, as próprias ideias, interesses e opções, desculpando-se com os erros alheios. Predomina o costume de denegrir rapidamente o adversário, aplicando-lhe atributos humilhantes, em vez de se enfrentarem num diálogo aberto e respeitoso, onde se procure alcançar uma síntese que vá mais além. O pior é que esta linguagem, habitual no contexto mediático duma campanha política, generalizou-se de tal maneira que a usam diariamente todos. Com frequência, o debate é manipulado por determinados interesses detentores de maior poder que procuram desonestamente inclinar a opinião pública a seu favor. E não me refiro apenas ao governo vigente, porque um tal poder manipulador pode ser econômico, político, mediático, religioso ou de qualquer outro gênero. Às vezes, é justificado ou desculpado quando a sua dinâmica corresponde aos próprios interesses econômicos ou ideológicos, mas mais cedo ou mais tarde volta-se contra esses mesmos interesses.
202. A falta de diálogo supõe que ninguém, nos diferentes setores, está preocupado com o bem comum, mas com obter as vantagens que o poder lhe proporciona ou, na melhor das hipóteses, com impor o seu próprio modo de pensar. Assim a conversação reduzir-se-á a meras negociações para que cada um possa agarrar todo o poder e as maiores vantagens possíveis, sem uma busca conjunta que gere bem comum. Os heróis do futuro serão aqueles que souberem quebrar esta lógica morbosa e, ultrapassando as conveniências pessoais, decidam sustentar respeitosamente uma palavra densa de verdade. Queira Deus que estes heróis se estejam gerando silenciosamente no coração da nossa sociedade.
Construir juntos
203. O diálogo social autêntico pressupõe a capacidade de respeitar o ponto de vista do outro, aceitando como possível que contenha convicções ou interesses legítimos. A partir da própria identidade, o outro tem algo para dar, e é desejável que aprofunde e exponha a sua posição para que o debate público seja ainda mais completo. Sem dúvida, quando uma pessoa ou um grupo é coerente com o que pensa, adere firmemente a valores e convicções e desenvolve um pensamento, isto irá de uma maneira ou outra beneficiar a sociedade; mas só se verifica realmente na medida em que o referido desenvolvimento se realizar em diálogo e na abertura aos outros. Com efeito, «num verdadeiro espírito de diálogo, nutre-se a capacidade de entender o sentido daquilo que o outro diz e faz, embora não se possa assumi-lo como uma convicção própria. Deste modo torna-se possível ser sincero, sem dissimular o que acreditamos, nem deixar de dialogar, procurar pontos de contacto e sobretudo trabalhar e lutar juntos».[197] O debate público, se verdadeiramente der espaço a todos e não manipular nem ocultar informações, é um estímulo constante que permite alcançar de forma mais adequada a verdade ou, pelo menos, exprimi-la melhor. Impede que os vários setores se instalem, cômodos e autossuficientes, na sua maneira de ver as coisas e nos seus interesses limitados. Pensemos que «as diferenças são criativas, criam tensão e, na resolução duma tensão, está o progresso da humanidade».[198]
204. Atualmente há a convicção de que, além dos progressos científicos especializados, é necessária a comunicação interdisciplinar, uma vez que a realidade é uma só, embora possa ser abordada sob distintas perspectivas e com diferentes metodologias. Não se deve ocultar o risco de um progresso científico ser considerado a única abordagem possível para se entender um aspecto da vida, da sociedade e do mundo. Ao contrário, um investigador que avança frutuosamente na sua análise, mas está de igual modo disposto a reconhecer outras dimensões da realidade que investiga, graças ao trabalho doutras ciências e conhecimentos, abre-se para conhecer a realidade de maneira mais íntegra e plena.
205. Neste mundo globalizado, «os mass media podem ajudar a sentir-nos mais próximos uns dos outros; a fazer-nos perceber um renovado sentido de unidade da família humana, que impele à solidariedade e a um compromisso sério para uma vida mais digna. (…) Podem ajudar-nos nisso, especialmente nos nossos dias em que as redes da comunicação humana atingiram progressos sem precedentes. Particularmente a internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus».[199] Mas é necessário verificar, continuamente, que as formas atuais de comunicação nos orientem efetivamente para o encontro generoso, a busca sincera da verdade íntegra, o serviço, a aproximação dos últimos e o compromisso de construir o bem comum. Ao mesmo tempo, como indicaram os bispos da Austrália, «não podemos aceitar um mundo digital projetado para explorar as nossas fraquezas e tirar fora o pior das pessoas».[200]
A base dos consensos
206. O relativismo não é a solução. Sob o véu duma presumível tolerância, acaba-se por facilitar que os valores morais sejam interpretados pelos poderosos segundo as conveniências da hora. Se, em última análise, «não há verdades objetivas nem princípios estáveis, fora da satisfação das aspirações próprias e das necessidades imediatas, (…) não podemos pensar que os programas políticos ou a força da lei sejam suficientes (…). Quando é a cultura que se corrompe deixando de reconhecer qualquer verdade objetiva ou quaisquer princípios universalmente válidos, as leis só se poderão entender como imposições arbitrárias e obstáculos a evitar».[201]
207. É possível prestar atenção à verdade, buscar a verdade que corresponde à nossa realidade mais profunda? Que é a lei sem a convicção, alcançada através dum longo caminho de reflexão e sabedoria, de que cada ser humano é sacro e inviolável? Para que uma sociedade tenha futuro, é preciso ter maturado um vivo respeito pela verdade da dignidade humana, à qual nos submetemos. Então abster-se-á de matar alguém, não apenas para evitar o desprezo social e o peso da lei, mas por convicção. É uma verdade irrenunciável que reconhecemos com a razão e aceitamos com a consciência. Uma sociedade é nobre e respeitável, nomeadamente porque cultiva a busca da verdade e pelo seu apego às verdades fundamentais.
208. Temos de nos exercitar em desmascarar as várias modalidades de manipulação, deformação e ocultamento da verdade nas esferas pública e privada. O que chamamos «verdade» não é só a comunicação de fatos operada pelo jornalismo. É, antes de mais nada, a busca dos fundamentos mais sólidos que estão na base das nossas opções e também das nossas leis. Isto implica aceitar que a inteligência humana pode ir além das conveniências do momento atual e captar algumas verdades que não mudam, que eram verdade antes de nós e sempre o serão. Indagando sobre a natureza humana, a razão descobre valores que são universais, porque derivam dela.
209. Caso contrário, não poderia porventura suceder que os direitos humanos fundamentais, hoje considerados invioláveis, acabassem negados pelos poderosos de turno, depois de terem obtido o «consenso» duma população adormecida e amedrontada? Nem seria suficiente um mero consenso entre os vários povos, porque igualmente manipulável. Existem já provas abundantes de todo o bem que somos capazes de realizar, mas ao mesmo tempo devemos reconhecer a capacidade de destruição que existe em nós. Não será, este individualismo indiferente e desalmado em que caímos, resultado também da preguiça de buscar os valores mais altos, que estão para além das necessidades momentâneas? Ao relativismo junta-se o risco de que o poderoso ou o mais hábil consiga impor uma suposta verdade. Pelo contrário, «diante das normas morais que proíbem o mal intrínseco, não existem privilégios ou exceções para ninguém. Ser o dono do mundo ou o último “miserável” sobre a face da terra, não faz diferença alguma: perante as exigências morais, todos somos absolutamente iguais».[202]
210. Um fenómeno atual, que nos está a arrastar para uma lógica perversa e vazia, é a assimilação da ética e da política à física. Não existem o bem e o mal em si mesmos, mas apenas um cálculo de vantagens e desvantagens. O deslocamento da razão moral traz como consequência que o direito não se pode referir a uma concepção fundamental de justiça, mas torna-se um espelho das ideias dominantes. Entramos aqui numa degradação: vai-se «nivelando por baixo» mediante um consenso superficial e comprometedor. Assim, em última análise, triunfa a lógica da força.
O consenso e a verdade
211. Numa sociedade pluralista, o diálogo é o caminho mais adequado para se chegar a reconhecer aquilo que sempre deve ser afirmado e respeitado e que ultrapassa o consenso ocasional. Falamos de um diálogo que precisa de ser enriquecido e iluminado por razões, por argumentos racionais, por uma variedade de perspectivas, por contribuições de diversos conhecimentos e pontos de vista, e que não exclui a convicção de que é possível chegar a algumas verdades fundamentais que devem e deverão ser sempre defendidas. Aceitar que há alguns valores permanentes, embora nem sempre seja fácil reconhecê-los, confere solidez e estabilidade a uma ética social. Mesmo quando os reconhecemos e assumimos através do diálogo e do consenso, vemos que estes valores basilares estão para além de qualquer consenso, reconhecemo-los como valores transcendentes aos nossos contextos e nunca negociáveis. Poderá crescer a nossa compreensão do seu significado e importância – e, neste sentido, o consenso é uma realidade dinâmica –, mas, em si mesmos, são apreciados como estáveis pelo seu sentido intrínseco.
212. Se algo permanece sempre conveniente para o bom funcionamento da sociedade, não será porque atrás disso há uma verdade perene que a inteligência pode captar? Na própria realidade do ser humano e da sociedade, na sua natureza íntima, há uma série de estruturas basilares que sustentam o seu desenvolvimento e sobrevivência. Daí derivam certas exigências que podem ser descobertas através do diálogo, embora não sejam construídas em sentido estrito pelo consenso. O fato de certas normas serem indispensáveis para a própria vida social é um indício externo de como elas sejam algo intrinsecamente bom. Portanto, não é necessário contrapor a conveniência social, o consenso e a realidade duma verdade objetiva. As três coisas podem unir-se harmoniosamente, quando as pessoas, através do diálogo, têm a coragem de levar a fundo uma questão.
213. Se devemos em qualquer situação respeitar a dignidade dos outros, isto significa que esta não é uma invenção nem uma suposição nossa, mas que existe realmente neles um valor superior às coisas materiais e independente das circunstâncias e exige um tratamento distinto. Que todo o ser humano possui uma dignidade inalienável é uma verdade que corresponde à natureza humana, independentemente de qualquer transformação cultural. Por isso o ser humano possui a mesma dignidade inviolável em todo e qualquer período da história, e ninguém pode sentir-se autorizado, pelas circunstâncias, a negar esta convicção nem a agir em sentido contrário. Assim, a inteligência pode perscrutar a realidade das coisas, através da reflexão, da experiência e do diálogo, para reconhecer nessa realidade que a transcende a base de certas exigências morais universais.
214. Aos agnósticos, este fundamento poder-lhes-á aparecer como suficiente para conferir aos princípios éticos basilares e não negociáveis uma validade universal de tal forma firme e estável que consiga impedir novas catástrofes. Para os crentes, a natureza humana, fonte de princípios éticos, foi criada por Deus, que em última análise confere um fundamento sólido a estes princípios.[203] Isto não estabelece um fixismo ético nem abre a estrada à imposição dum sistema moral, uma vez que os princípios morais fundamentais e universalmente válidos podem dar lugar a várias normativas práticas. Por isso, fica sempre um espaço para o diálogo.
Uma nova cultura
215. «A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro na vida».[204] Já várias vezes convidei a fazer crescer uma cultura do encontro que supere as dialéticas que colocam um contra o outro. É um estilo de vida que tende a formar aquele poliedro que tem muitas faces, muitos lados, mas todos compõem uma unidade rica de matizes, porque «o todo é superior à parte».[205] O poliedro representa uma sociedade onde as diferenças convivem integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente, embora isso envolva discussões e desconfianças. Na realidade, de todos se pode aprender alguma coisa, ninguém é inútil, ninguém é supérfluo. Isto implica incluir as periferias. Quem vive nelas tem outro ponto de vista, vê aspetos da realidade que não se descobrem a partir dos centros de poder onde se tomam as decisões mais determinantes.
O encontro feito cultura
216. A palavra «cultura» indica algo que penetrou no povo, nas suas convicções mais profundas e no seu estilo de vida. Quando falamos duma «cultura» no povo, trata-se de algo mais que uma ideia ou uma abstração; inclui as aspirações, o entusiasmo e, em última análise, um modo de viver que caracteriza aquele grupo humano. Assim, falar de «cultura do encontro» significa que nos apaixona, como povo, querer encontrar-nos, procurar pontos de contacto, lançar pontes, projetar algo que envolva a todos. Isto tornou-se uma aspiração e um estilo de vida. O sujeito desta cultura é o povo, não um setor da sociedade que tenta manter tranquilo o resto com recursos profissionais e mediáticos.
217. A paz social é laboriosa, artesanal. Seria mais fácil conter as liberdades e as diferenças com um pouco de astúcia e algumas compensações; mas esta paz seria superficial e frágil, não o fruto duma cultura do encontro que a sustente. Integrar as realidades diferentes é muito mais difícil e lento, embora seja a garantia duma paz real e sólida. Isto não se consegue agrupando só os puros, porque «até mesmo as pessoas que possam ser criticadas pelos seus erros, têm algo a oferecer que não se deve perder».[206] Nem consiste numa paz que surja acalmando as reivindicações sociais ou impedindo-as de criar confusão, pois não é «um consenso de escritório nem uma paz efêmera para uma feliz minoria».[207] O que conta é gerar processos de encontro, processos que possam construir um povo capaz de recolher as diferenças. Armemos os nossos filhos com as armas do diálogo! Ensinemos-lhes a boa batalha do encontro!
O prazer de reconhecer o outro
218. Isto implica o hábito de reconhecer, ao outro, o direito de ser ele próprio e de ser diferente. A partir deste reconhecimento feito cultura, torna-se possível a criação dum pacto social. Sem este reconhecimento, surgem maneiras subtis de fazer com que o outro perca todo o seu significado, se torne irrelevante, fazer com que na sociedade não lhe seja reconhecido qualquer valor. Por trás da repulsa de certas formas visíveis de violência, muitas vezes esconde-se outra violência mais dissimulada: a daqueles que desprezam o diferente, sobretudo quando as suas reivindicações prejudicam dalguma maneira os próprios interesses.
219. Quando uma parte da sociedade pretende apropriar-se de tudo aquilo que o mundo oferece, como se os pobres não existissem, virá o momento em que isso terá as suas consequências. Ignorar a existência e os direitos dos outros provoca, mais cedo ou mais tarde, alguma forma de violência, muitas vezes inesperada. Os sonhos de liberdade, igualdade e fraternidade podem permanecer no nível de meras formalidades, porque não são efetivamente para todos. Sendo assim, não se trata apenas de procurar um encontro entre aqueles que detêm várias formas de poder económico, político ou académico; um efetivo encontro social coloca em verdadeiro diálogo as grandes formas culturais que representam a maioria da população. Muitas vezes, as boas propostas não são assumidas pelos setores mais pobres, porque se apresentam com uma roupagem cultural que não é a deles e com a qual não podem sentir-se identificados. Por conseguinte, um pacto social realista e inclusivo deve ser também um «pacto cultural», que respeite e assuma as diversas visões do mundo, as culturas e os estilos de vida que coexistem na sociedade.
220. Por exemplo, os povos nativos não são contra o progresso, embora tenham uma ideia diferente de progresso, frequentemente mais humanista que a da cultura moderna dos povos desenvolvidos. Não é uma cultura orientada para benefício daqueles que detêm o poder, daqueles que precisam de criar uma espécie de paraíso sobre a terra. A intolerância e o desprezo perante as culturas populares indígenas são uma verdadeira forma de violência, própria dos especialistas em ética sem bondade que vivem julgando os outros. Mas nenhuma mudança autêntica, profunda e estável é possível, se não se realizar a partir das várias culturas, principalmente dos pobres. Um pacto cultural pressupõe que se renuncie a compreender de maneira monolítica a identidade dum lugar, e exige que se respeite a diversidade, oferecendo-lhe caminhos de promoção e integração social.
221. Este pacto implica também aceitar a possibilidade de ceder algo para o bem comum. Ninguém será capaz de possuir toda a verdade nem satisfazer a totalidade dos seus desejos, porque uma tal pretensão levaria a querer destruir o outro, negando-lhe os seus direitos. A busca duma falsa tolerância deve dar lugar ao realismo dialogante por parte de quem pensa que deve ser fiel aos seus princípios, mas reconhecendo que o outro também tem o direito de procurar ser fiel aos dele. Tal é o autêntico reconhecimento do outro, que só o amor torna possível e que significa colocar-se no lugar do outro para descobrir o que há de autêntico ou pelo menos de compreensível no meio das suas motivações e interesses.
Recuperar a amabilidade
222. O individualismo consumista provoca muitos abusos. Os outros tornam-se meros obstáculos para a agradável tranquilidade própria e, assim, acaba-se por tratá-los como incômodos; e a agressividade aumenta. Isto acentua-se e atinge níveis exasperantes em períodos de crise, situações catastróficas, momentos difíceis, quando aflora o espírito do «salve-se quem puder». Contudo, ainda é possível optar pelo cultivo da amabilidade; há pessoas que o conseguem, tornando-se estrelas no meio da escuridão.
223. São Paulo designa um fruto do Espírito Santo com a palavra grega chrestotes (Gal 5, 22), que expressa um estado de ânimo não áspero, rude, duro, mas benigno, suave, que sustenta e conforta. A pessoa que possui esta qualidade ajuda os outros, para que a sua existência seja mais suportável, sobretudo quando sobrecarregados com o peso dos seus problemas, urgências e angústias. É um modo de tratar os outros, que se manifesta de diferentes formas: amabilidade no trato, cuidado para não magoar com as palavras ou os gestos, tentativa de aliviar o peso dos outros. Supõe «dizer palavras de incentivo, que reconfortam, consolam, fortalecem, estimulam», em vez de «palavras que humilham, angustiam, irritam, desprezam».[208]
224. A amabilidade é uma libertação da crueldade que às vezes penetra nas relações humanas, da ansiedade que não nos deixa pensar nos outros, da urgência distraída que ignora que os outros também têm direito de ser felizes. Hoje raramente se encontram tempo e energias disponíveis para se demorar a tratar bem os outros, para dizer «com licença», «desculpe», «obrigado». Contudo de vez em quando verifica-se o milagre duma pessoa amável, que deixa de lado as suas preocupações e urgências para prestar atenção, oferecer um sorriso, dizer uma palavra de estímulo, possibilitar um espaço de escuta no meio de tanta indiferença. Este esforço, vivido dia a dia, é capaz de criar aquela convivência sadia que vence as incompreensões e evita os conflitos. O exercício da amabilidade não é um detalhe insignificante nem uma atitude superficial ou burguesa. Dado que pressupõe estima e respeito, quando se torna cultura numa sociedade, transforma profundamente o estilo de vida, as relações sociais, o modo de debater e confrontar as ideias. Facilita a busca de consensos e abre caminhos onde a exasperação destrói todas as pontes.
______________________________________________
[109] Cf. Bispos Católicos do México e dos Estados Unidos, Carta pastoral Strangers no longer: together on the journey of hope (janeiro de 2003).
[110] Francisco, Catequese na Audiência Geral (3 de abril de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 09/IV/2019), 3.
[111] Cf. Francisco, Mensagem para o 104º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado (14 de janeiro de 2018): AAS 109 (2017), 918-923.
[112] Francisco – Ahmad Al-Tayyeb, Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 05/II/2019), 22.
[113] Francisco, Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé (11 de janeiro de 2016): AAS 108 (2016), 124.
[115] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit (25 de março de 2019), 93.
[117] Idem, Discurso no Encontro com as autoridades e o corpo diplomático (Sarajevo – Bósnia-Herzegovina 6 de junho de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 11/VI/2015), 3.
[118] Francisco em diálogo com Reyes Alcaide, Latinoamérica. Conversaciones con Hernán Reyes Alcaide (Buenos Aires 2017), 105.
[119] Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 05/II/2019), 22.
[120] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 67: AAS 101 (2009), 700.
[123] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 447.
[124] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 234: AAS 105 (2013), 1115.
[127] São João Paulo II, Discurso aos representantes do mundo da cultura (Buenos Aires – Argentina 12 de abril de 1987), 4: L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 10/V/1987), 8.
[128] Cf. Idem, Discurso aos Cardeais e à Cúria (21 de dezembro de 1984), 4: AAS 76 (1984), 506.
[129] Exort. ap. pós-sinodal Querida Amazonia (2 de fevereiro de 2020), 37.
[130] Georg Simmel, Brücke und Tür. Essays des Philosophen zur Geschichte, Religion, Kunst und Gesellschaft (Estugarda 1957), 6.
[131] Cf. Jaime Hoyos-Vásquez, «Lógica de las relaciones sociales. Reflexión onto-lógica», in Revista Universitas Philosophica 15-16 (dezembro 1990 a junho 1991), Bogotá, 95-106.
[132] Antonio Spadaro sj, «Le orme di un pastore. Una conversazione con Papa Francesco», in Jorge Mario Bergoglio – Papa Francisco, Nei tuoi occhi è la mia parola. Omelie e discorsi di Buenos Aires 1999-2013 (Milão 2016), XVI; cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 220-221: AAS 105 (2013), 1110-1111.
[133] Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 204: AAS 105 (2013), 1106.
[136] Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 128: AAS 107 (2015), 898.
[137] Francisco, Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé (12 de janeiro de 2015): AAS 107 (2015), 165; cf. Idem, Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos Populares (28 de outubro de 2014): AAS 106 (2014), 851-859.
[138] Algo parecido podemos dizer da categoria bíblica «Reino de Deus».
[139] Paul Ricoeur, «Le socius et le prochain», in: Idem, Histoire et vérité (Paris 1967), 122.
[140] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 129: AAS 107 (2015), 899.
[141] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 35: AAS 101 (2009), 670.
[142] Francisco, Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos Populares (28 de outubro de 2014):AAS 106 (2014), 858.
[144] Idem, Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos Populares (5 de novembro de 2016): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 10/XI/2016), 10.
[147] Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 189: AAS 107 (2015), 922.
[148] Discurso à Organização das Nações Unidas (Nova Iorque – Estados Unidos d’América 25 de setembro de 2015): AAS 107 (2015), 1037.
[149] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 175: AAS 107 (2015), 916-917.
[150] Cf. Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 67: AAS 101 (2009), 700-701.
[152] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 434.
[153] Francisco, Discurso à Organização das Nações Unidas (Nova Iorque – Estados Unidos d’América 25 de setembro de 2015): AAS 107 (2015), 1037 e 1041.
[154] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 437.
[155] São João Paulo II, Mensagem para o 37º Dia Mundial da Paz de 2004 (8 de dezembro de 2003), 5: AAS 96 (2004), 117.
[156] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 439.
[157] Cf. Conferência dos Bispos de França (Comissão Social), Declaração Réhabiliter la politique (17 de fevereiro de 1999).
[158] Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 189: AAS 107 (2015), 922.
[163] Conferência Episcopal Portuguesa, Carta pastoral Responsabilidade solidária pelo bem comum (15 de setembro de 2003), 20; cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 159: AAS 107 (2015), 914.
[164] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 191: AAS 107 (2015), 923.
[165] Pio XI, Discurso à Federação Universitária Católica Italiana (18 de dezembro de 1927): L’Osservatore Romano (23/XII/1927), 3.
[166] Cf. Idem, Carta enc. Quadragesimo anno (15 de maio de 1931), 88: AAS 23 (1931), 206-207.
[167] Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 205: AAS 105 (2013), 1106.
[168] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 2: AAS 101 (2009), 642.
[169]Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 231: AAS 107 (2015), 937.
[170] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 2: AAS 101 (2009), 642.
[171] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 207.
[172] São João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de março de 1979), 15: AAS 71 (1979), 288.
[173] Cf. São Paulo VI, Carta enc. Populorum progressio (26 de março de 1967), 44: AAS 59 (1967), 279.
[174] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 207.
[175] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de junho de 2009), 2: AAS 101 (2009), 642.
[181] A doutrina moral católica, na esteira do ensinamento de São Tomás de Aquino, prevê esta distinção de ato «elícito» e ato «imperado» [cf. Summa theologiae, I-II, q. 8-17; veja-se também Marcellino Zalba sj, Theologiae moralis summa. Theologia moralis fundamentalis. Tractatus de virtutibus theologicis, I (Madrid 1952), 69; Antonio Royo Marín op, Teología de la Perfección Cristiana (Madrid 1962), 192-196].
[182] Conselho Pontifício «Justiça e paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 208.
[183] Cf. São João Paulo II, Carta enc. Sollicitudo rei socialis (30 de dezembro de 1987), 42: AAS 80 (1988), 572-574; Idem, Carta enc. Centesimus annus (1 de maio de 1991), 11: AAS 83 (1991), 806-807.
[184] Francisco, Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos Populares (28 de outubro de 2014): AAS 106 (2014), 852.
[185] Francisco, Discurso no Parlamento Europeu (Estrasburgo – França 25 de novembro de 2014): AAS 106 (2014), 999.
[186] Idem, Discurso no encontro com as autoridades e o corpo diplomático (Bangui – República Centro-Africana 29 de novembro de 2015): AAS 107 (2015), 1320.
[187] Idem, Discurso à Organização das Nações Unidas (Nova Iorque – Estados Unidos d’América 25 de setembro de 2015): AAS 107 (2015), 1039.
[188] Francisco, Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos Populares (28 de outubro de 2014):AAS 106 (2014), 853.
[189] Documento sobre a fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum (Abu Dhabi 4 de fevereiro de 2019): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 05/II/2019), 21.
[190] René Voillaume, Frère de tous (Paris 1968), 12-13.
[191] Francisco, Vídeo-mensagem ao encontro internacional TED2017 em Vancouver (26 de abril de 2017): L´Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 04/V/2017), 17.
[192] Idem, Catequese na Audiência Geral (18 de fevereiro de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 19/II/2015), 20.
[193] Idem, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 274: AAS 105 (2013), 1130.
[195] Francisco, Mensagem para o 52º Dia Mundial da Paz de 2019 (8 de dezembro de 2018), 5: L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de 18-25/XII/2018), 9.
[196] Francisco, Discurso no encontro com a classe dirigente (Rio de Janeiro – Brasil 27 de julho de 2013): AAS 105 (2013), 683-684.
[197] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Querida Amazonia (2 de fevereiro de 2020), 108.
[198] Filme de Wim Wenders O Papa Francisco – Um homem de palavra. A esperança é uma mensagem universal (2018).
[199] Francisco, Mensagem para o 48º Dia Mundial das Comunicações Sociais (24 de janeiro de 2014): AAS 106 (2014), 113.
[200] Conferência dos Bispos Católicos da Austrália (Departamento para a Justiça Social), Making it real: genuine human encounter in our digital world (novembro de 2019), 5.
[201] Francisco, Carta enc. Laudato si’ (24 de maio de 2015), 123: AAS 107 (2015), 896.
[202] São João Paulo II, Carta enc. Veritatis splendor (6 de agosto de 1993), 96: AAS 85 (1993), 1209.
[203] Como cristãos, acreditamos também que Deus dá a sua graça para se poder agir como irmãos.
[204] Vinicius de Moraes, «Samba da Bênção», no disco Um encontro no «Au bon Gourmet» (Rio de Janeiro 02/VIII/1962).
[205] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24 de novembro de 2013), 237: AAS 105 (2013), 1116.
[208] Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia (19 de março de 2016), 100: AAS 108 (2016), 351.
Comments