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O NARCOTRÁFICO: um estado dentro do Estado

  • Foto do escritor: Frei Basílio de Resende ofm
    Frei Basílio de Resende ofm
  • há 3 dias
  • 14 min de leitura

Atualizado: há 2 dias


O TRÁFICO: UM ESTADO DENTRO DO ESTADO


Introdução:


O episódio recente, dia 28 de outubro de 2025, chamado de megaoperação da Polícia contra o Comando Vermelho, nas comunidades da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, trouxe-me à mente um tema que tenho adiado redigir e publicar no meu Blog, freibasilioderesende.org.


Lamentavelmente, a ação ceifou muitas vidas humanas, até agora, 122 pessoas foram mortas; presenciamos, impotentes, a banalização do mal: falta de respeito para com vidas humanas, a violência e crueldade apresentadas como valor social, o instinto de poder e luxo e ganância de riquezas como norma e objetivo de vida.


E mostrou o poder armado e a organização local e nacional de uma facção.


O narcotráfico é um estado dentro do Estado.


No dia 03 de dezembro de 2025, por mandato de Ministro do STF, a Polícia Federal prendeu Rodrigo Bacellar, presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), por vazar - para proteger seu aliado ou cúmplice - informações da ação da Polícia Federal contra o deputado TH Joias, preso em setembro de 2025.


Vemos sinais indicativos da conexão e aliança entre agentes públicos do Estado com chefes de poderosas organizações do crime; uma rede intrincada.

 

 

1.     UMA AMOSTRAGEM DA SITUAÇÃO DO TRÁFICO.

 

Eu vivi e atuei, como Sacerdote, na periferia de uma das grandes metrópoles do Brasil, no ano de 2009. Éramos três frades, como agentes pastorais, no Bairro.

 

Pude ver e observar:


  • a inteligência social e organizativa dos traficantes;

  • a sua influência e o poder de coerção e medo nas pessoas da comunidade;

  • suas ordens são obedecidas e executadas;

  • o poder de sedução que exercem;

  • a sua inserção e influência na comunidade;

  • seu poder de corrupção de agentes das forças policiais, dos políticos e dos tribunais.

 

a)     A inteligência social e organizativa dos traficantes;

 

Eles mapeiam territorialmente o bairro. Cada área pertence à influência e controle de uma facção. O ponto de venda do produto pertence a uma família; esse é considerado como uma firma, um meio de sobreviver e enriquecer. Quando o eventual líder ou chefe desaparece, ou por ação policial que o prende, ou por assassinato, uma outra pessoa da família o sucede.

 

Se o ponto fica vago, outras facções de diversas áreas, vão guerrear e tentar ocupar o espaço vago.

 

Cada grupo local está associado a uma facção da metrópole, e esta a uma organização regional ou nacional.

 

b)    A sua influência e o poder de coerção e medo nas pessoas da comunidade;


Os chefes de áreas estão bem inseridos na sua comunidade. São bem conhecidos, considerados, respeitados e temidos. Eles protegem e dão segurança aos moradores de sua área. Agentes de outras fações, de outras áreas, não atuam aí. São simplesmente eliminados, e, às vezes, de forma bem “exemplar”, quanto à crueldade da execução.


As pessoas, famílias, moradoras nessa região são protegidas, ajudadas em suas necessidades. O grupo que manda numa região presta serviços sociais; fazem circular o dinheiro, levam pessoas necessitadas aos hospitais, impõem uma certa ordem na sua área de influência.


Também possuem um poder de coerção e indução de comportamento, nas crianças e jovens, de seu bairro. Se um ou outro adolescente, passa por eles, onde estão estabelecidos, só os cumprimenta, e segue adiante, pode ser abordados por eles, e, de forma insinuante, pode ser ameaçado.


Os adolescentes, são solicitados, a entrar no grupo deles; recebem pequenas dozes da droga, só para experimentarem. A cena se repete. Quando o jovem se entrosa com eles, e começa a sentir-se dependente da amizade de um grupo diferente, e da droga; o novo amigo se torna usuário; precisa comprar para consumir; criou-se o mercado consumidor.


Às vezes, o novo ‘amigo’ recebe um revólver deles, - fato que vai fazê-lo sentir-se ‘importante’ -; e dão ordem para ele fazer um ‘serviço’: eliminar alguém do próprio grupo que ‘pisou na bola’, ou de um grupo rival. Embora, relutante, o novo associado, o novo amigo, se sente ungido de confiança, e perfaz o serviço pedido. Mostrou fidelidade, obediência, submissão, pertença à facção. Este já está cooptado; não tem mais volta; torna-se membro de uma 'nova família'.


Se há uma escola na área de influência e controle de uma facção, eles dão dinheiro às crianças, para levarem a droga, os tais ‘papeizinhos’, na escola, e oferecer para as outras crianças. As crianças que recusam, - orientadas pelos seus responsáveis a não mexerem com essas coisas, - são objeto de certas gozações e induzidas pelas outras pequenas agentes a aceitarem. Elas sentem-se constrangidas no ambiente escolar.

 

c)     Suas ordens são obedecidas e executadas;


Um fenômeno comportamental que me impressiona no mundo do narcotráfico é a fidelidade dos membros de suas organizações: a submissão ao chefe, obediência e cumprimento de suas ordens por parte dos membros da facção.


O chefe pode estar preso. Mas, de onde está, exerce o seu comando e é obedecido fielmente. É uma verdadeira corporação, um corpo simbólico bem coeso, em que os membros estão a serviço do cérebro mandante; um fenômeno mental de 'submissão religiosa'. Executam a ordem de queima de ônibus, de fechar ruas, de executar pessoas, de exercer ações de risco de vida, até de morrer pelo chefe.


No ambiente social da comunidade eles dão ordem de recolher. As pessoas obedecem, têm medo.


Durante a noite eles têm o poder.


Dão ordem de execução, e são obedecidos. As execuções acontecem.  A lei é severa: deu mole, morre!


Seus membros vivem a ética do herói, que decide e aceita acompanhar o ‘amigo’ que o veio chamar para a execução; e esta, não é só por uma bala letal, pode ser por 16 tiros, ouvidos pelos seus familiares, ‘para saberem bem!’. Às vezes, chegam a avisar em casa, “talvez eu não volte”. Assim, eles evitam serem executados, na frente de seus familiares, avó, mãe, esposa, filhinhos.

 

d)    O poder de sedução que exercem;

 

O tráfico exerce um certo poder de sedução de forte atração para as crianças, adolescentes e jovens. Ter um revolver na cintura, e ser líder de um grupo, e ganhar dinheiro e gozar de certo prestígio social, é algo que motiva o senso de importância e heroísmo dos jovens.

 

Os rapazes ganham a admiração das meninas. Estas apreciam serem colegas, amigas, sócias, namoradas dos chefes do ponto.

 

Para certas meninas adolescentes, o ideal de homens que elas querem namorar e amar, são esses jovens ‘valentes’, ‘corajosos’, ‘audaciosos’.  O desejo de aventuras, de façanhas heroicas, de valentia, atrai e seduz as pessoas.

 

O tráfico oferece respostas a profundos desejos da alma humana.

 

e)     A sua inserção e influência na comunidade;


As lideranças do tráfico são constituídas de jovens e de adultos, que são de famílias, residentes no Bairro. Eles não vêm de fora, para exercer uma tarefa específica, no Bairro. São pessoas conhecidas da comunidade onde moram e conhecem as pessoas que residem na sua comunidade. Estranhos que chegam são interpelados; podem ser hostilizados.


Pessoas que conhecem os chefes da droga, ao se referirem a eles, não dizem seus nomes. Se disserem, mesmo longe deles, falam baixinho. Alguém pode ouvir, e eles virem a saber.


Um dia perguntei a uma senhora de um Bairro: “você é vizinha do F?” (0 chefe do ponto). Ela me perguntou, admirada: “O senhor conhece o F.? o senhor conhece o F.?”.

Esta mesma senhora, que era coordenadora de uma Comunidade, em cujo território estava localizado esse ponto de venda, ligou para mim, e perguntou: “O senhor já está na igreja? O senhor pode passar na minha casa e me levar para a reunião, porque a polícia está aqui, e os ‘meninos’ estão correndo pelas ruas com as armas na mão.” Eu perguntei-lhe, se então não seria perigoso. Ela respondeu que não, que “os ‘meninos’ conhecem a gente”.


Eu era novato no lugar. Não conhecia as ruas, que eram becos, nem a rua em que morava a senhora. Dei muitas voltas com o carro até encontrar sua residência; os membros da facção que controlava o Bairro (‘os meninos’) já conheciam o carro da Paróquia. Recebi-a no carro e subimos até o alto, na entrada do Bairro onde ela morava. Lá estavam duas viaturas policiais, e alguns rapazes detidos. Passamos por eles e nos dirigimos à igreja, local da reunião; a minha primeira com o Conselho Pastoral da Comunidade (CPC).

 

f)      Seu poder de influência e corrupção dos agentes do Estado: nas forças policiais, nos políticos e nos tribunais.

 

O tráfico age como um estado dentro do Estado. Ele é uma organização bem eficiente e poderosa na sociedade. O Estado, enquanto organização civil com seus serviços e agentes, não tem presença constante e atuante nos territórios sob o controle de uma facção.

 

O tráfico exerce um poder forte e eficiente de corrupção de agentes individuais, corruptíveis, do Estado: na polícia, na política, no judiciário.

 

A palavra (e o fato) “propina” é muito conhecida e usada por pessoas da população, quando vão discutir e analisar as causas da ineficiência da ação do governo público na resolução de problemas administrativos, de segurança e de demais serviços públicos: há agentes, muito bem pagos pelo Estado para prestar serviços públicos à população, que consideram um favor que fazem ao povo e esperam 'propina' para atender à demanda específica; e há agentes da polícia que recebem gordas 'propinas' do tráfico e crime organizado quando não compartilham o produto final.

 

Quanto ao problema da criminalidade, segurança e tráfico, a inteligência policial sabe quem comete os ilícitos em determinada área da cidade e da comunidade. Setores corruptíveis da segurança fazem negociações com agentes e organizações criminosas. Os agentes éticos e incorruptíveis podem ser sabotados por companheiros ou visados pelos criminosos.

 

Na ausência do senso da ética e da justiça no campo social, político e econômico, e de uma filosofia política de um Estado de Direito e do Bem Comum para todas as pessoas, classes e setores da população de uma Nação e um Estado, - muitos políticos e agentes públicos visam seus interesses privados, partidários e egoístas; buscam seu enriquecimento rápido, sua ascensão social e o poder político; isso é que explica a pulverização de “novos partidos políticos”, visando as gordas verbas públicas partidárias e eleitorais que eles mesmos votam para si. Os 29 partidos são mantidos e sustentados pelo erário público; seus vereadores, deputados estaduais e federais, com altíssimos salários e auxílios extras que eles mesmos deliberam, votam e aumentam para si mesmos.


Temos 29 partidos registrados no TSE, sem um ideário sócio-político determinado com um projeto de Nação e de Estado de Direito e Ética com leis severas de Anticorrupção em todos os Poderes da República, visando o Bem Comum do Povo: ecologia e meio ambiente, saneamento básico, saúde, moradia, urbanização, educação, trabalho e renda, agricultura, indústria, comércio, estradas, transporte marítimo, ferroviário e terrestre, distribuição justa e equitativa da riqueza material, o cultivo de uma civilização de comunicação/justiça/respeito/religião/cultura/arte/ esportes, de valores e bens simbólicos, de pesquisa científica e tecnológica e uma sociedade de justiça social e prosperidade e de bem-estar geral interno, de diplomacia e relações internacionais de paz, justiça, integridade territorial e autodeterminação dos povos e nações, uma política internacional contra ações armadas de qualquer tipo para resolver conflitos. Nossos partidos não vivem nos horizontes desse humanismo.


Nossos políticos, em geral, não são estadistas para promover uma civilização do amor, da justiça, da prosperidade, das culturas e sociedades pela paz e bem estar de todas as etnias, os povos, nações , estados, num planeta solidário e no mundo inteiro, sem fome, sem miséria, sem guerra, sem morte fora da hora; com ciência, técnica, cultura, arte, religião, paz.

 

Há políticos que têm seus agentes de votos que fazem negociações com grupos e organizações de traficantes ou milicianos que controlam e influenciam a população de uma área. Se uma organização garante votos - até a eleição - de um vereador que apoia um candidato a deputado, prefeito, governador e presidente. Estabelece-se um jogo e uma negociação de interesses recíprocos, em todas as escalas do poder político partidário. O objetivo final e supremo não é o bem comum público das pessoas, das famílias, dos grupos e populações da Nação e do Estado, com justiça e ética; o objetivo final e supremo é o enriquecimento rápido, a ascensão social, status e o poder, tanto da parte dos chefes das organizações criminosas, como, em muitos casos, da parte dos líderes e membros (dos partidos e de órgãos do Estado. (Veja o caso recente do INSS, tantos casos de desvios de verbas).

 

O tráfico consegue, também, por seu poder econômico angariar sentenças favoráveis de juízes subornáveis. Tudo sob uma aparência de procedimentos éticos e dentro das normas da transparência e da justiça, como falam.

 

O tráfico possui um enorme poder de corrupção de agentes do Estado.

 

2.     COMO ENFRENTAR O TRÁFICO?

 

a)     Com medidas repressivas policiais?

 

Enfrentar o tráfico com atuações policiais, prendendo traficantes, interceptando carregamentos de drogas, não é a estratégia correta, nem do ponto de vista da segurança pública, nem do ponto de vista social e político.


Uma ação esporádica das forças policiais, com ampla divulgação nos meios de comunicação social, dá ao público a impressão de estar protegido e da eficiência das ‘forças da ordem e do bem’.

 

Prender um traficante, é abrir o ponto e a área que ele controlava para outro chefe da própria facção ou de outra concorrente.

 

Surpreender toneladas da droga, de armas, de dinheiro, e tomá-los, qual é o seu destino? Onde este material é guardado e para quê? Já houve episódios de desaparecer dos estoques da polícia o ‘valioso’ material ou mercadoria.

 

Operações como a recente, no Rio de Janeiro, dia 28 de outubro de 2025, que foi elogiada por um lado do espectro político, -  como necessária e bem sucedida, apesar das 122 mortes, - e criticada por outro lado do espectro, - como “desastrosa e pura matança,” – não resolvem de forma permanente a situação cotidiana de moradia, transporte, saúde,  educação, bem estar social e urbana da população. Outros se apoderam do território, milícias ou facção rival.

 

Essa tal megaoperação serviu, apenas para mostrar a estratégia de defesa, o poderio armado e a sofisticação tecnológica da organização que momentaneamente controla aquelas duas comunidades do Alemão e da Penha. E se o poder e o controle dessa atual organização for eliminado, há duas outras rivais e igualmente bem organizadas e equipadas que dominarão a área. Pois o Estado não se estabelece lá com seus proclamados bens e serviços necessários ao bem-estar geral, a segurança, o progresso sanitário-social-cultural-econômico e o desenvolvimento urbano da população local.

 

E já foi alegado o poder econômico do narcotráfico, capaz de seduzir desocupados e de corromper ocupados de setores sem ética da polícia, da política e do judiciário. Os tais ocupados sem ética e desocupados que buscam uma chance, são movidos e impulsionados pela mesma filosofia de vida e existência dos agentes do narcotráfico: enriquecer-se rapidamente, adquirir status e prestígio social, desfrutar do luxo e prazeres que o dinheiro oferece.

 

b)    Ou com ação eficiente para tirar o poder econômico do tráfico, subtraindo-lhe o mercado, e atendendo com a farmácia popular.

 

Já foi dito, na amostragem observada, o poder de sedução do tráfico. Eles oferecem - a crianças, adolescentes e jovens – oportunidades para adquirirem dinheiro, respeito e prestígio social sem muito esforço e disciplina.

 

Oferecem a proximidade, amizade, droga, armas e dinheiro. Quando o jovem tornou-se um usuário, ‘dependente’, eles criaram o seu mercado. Um político famoso, bem sucedido e muito bom de fala, declarou enfática e solenemente, como é o seu estilo, diante dos holofotes do mundo, que “o traficante é vítima do usuário.” (!!!???) Aliás, outra pérola sua, anos atrás, foi dizer, ao distribuir “camisinhas” para adolescentes nas escolas públicas: “é preciso acabar com esta hipocrisia! Sexo é uma necessidade biológica, tanto para os animais como para os humanos!”. Os animais seguem a lei do instinto da reprodução biológica, meu senhor; os humanos vivem na lei da autoconsciência, da disciplina e autocontrole do espírito, do afeto, do simbólico, da imaginação, dos valores éticos, de opções políticas, de aspirações superiores e infinitas, muito além e acima do nível biológico, do terra a terra. Os humanos vivem, sobretudo, de razões políticas e simbólicas, não do biológico; eles podem fazer greve de fome até a morte, e greve de sexo ou assumir a abstinência total de relações eróticas e genitais, por aspirações superiores.

 

Mas, o assunto aqui é outro: como retirar o mercado do narcotráfico, o consumidor da mercadoria que enriquece o tráfico, e que faz dele um ‘estado’ dentro do Estado?


O usuário tornou-se um doente, um consumidor compulsivo; ele vende objetos de uso de sua casa para poder adquirir sua dose, seu baseado e se satisfazer; em suas crises de abstinência ele pode agredir familiares, roubar, matar. Um real desastre humano pessoal e familiar. Uma dor sem remédio.

 

Ele precisa de ser socorrido pela mesma política pública, da Farmácia Popular, que oferece remédios para diabéticos, hipertensos, asmáticos, etc; ele precisa receber sua dose mensal da droga de que seu organismo precisa, sem ter de comprar nos pontos de venda do tráfico.

 

Como pessoa total, o usuário necessita, ao mesmo tempo, de outros cuidados em sua vida familiar, social, afetiva, econômica, cultural e espiritual. O que ele não pode mais é continuar sendo – nem ele, nem sua família - vítima econômica de interesses injustos, desumanos e cruéis.

 

c)     Investindo numa educação inclusiva e eficiente

d)    Com políticas públicas para os jovens e as populações

e)     Com uma política urbanística criativa

f)      Com intervenções sociais

g)     Apoiando instituições culturais, artísticas, esportivas, religiosas que oferecem chances e oportunidades de realização, entretenimento e felicidade ao corpo, à alma e ao espírito de jovens, adultos e idosos.

 

3.     COMO REEDUCAR E REINTEGRAR CRIMINOSOS E MALFEITORES NUM PROJETO DE NAÇÃO?

COMO REEDUCAR UM POVO?

 

SERÁ QUE A SABEDORIA ANCESTRAL DA MÃE ÁFRICA PODE NOS SUGERIR UMA METODOLOGIA PARA REEDUCAR INDIVÍDUOS E HARMONIZAR COMUNIDADES?

 

Embora seja uma bela história, é importante notar que ela funciona mais, como uma lenda ou metáfora moral, do que como um relato etnográfico de uma prática real de um grupo étnico específico.


A história é uma parábola popularmente associada a uma suposta tribo africana, frequentemente usada, para ilustrar conceitos como o Ubuntu, que significa "Eu sou porque nós somos"


O termo Ubuntu é um conceito filosófico real e importante em várias culturas Bantu da África Subsaariana, que enfatiza a interconexão humana e a importância da comunidade. 


A história, em si, refere-se a um costume de perdão do indivíduo que erra e da restauração da harmonia comunitária


A narrativa diz que, quando um membro da comunidade comete um erro ou age de forma nociva e prejudicial, a pessoa não é punida ou isolada; não funciona um impulso coletivo de agressividade e vingança.


Em vez disso, a pessoa é levada ao centro da aldeia e rodeada por todos os membros da tribo; realiza-se um conselho comunitário.


Durante dois dias, a comunidade se reúne, não para julgar, mas para lembrar e falar todas as coisas boas que a pessoa já fez; um a um, eles recordam, em voz alta, todas as ações boas que a pessoa já praticou, todas as suas virtudes e gestos de bondade que fez. 


A tribo acredita que todo ser humano vem ao mundo como uma essência boa, ansiando por segurança, amor, felicidade e paz. Mas, por vezes, na busca cega por essas coisas, cometemos erros.  Para eles, o erro não é maldade; é um grito de socorro. É um sinal de que alguém se desconectou de sua própria luz, e do contato com os seus antepassados que são sábios e protetores.


A comunidade, então, se reúne para erguer essa pessoa; pois as pessoas erram quando se afastam de sua verdadeira natureza; assim, a comunidade restaura-a através do amor e da reconexão, em vez da punição e exclusão. 


O ritual serve para recordar à pessoa a sua essência, reconectá-la à sua verdadeira natureza, insistindo na bondade até que ela se lembre, com total clareza, da verdade que havia esquecido temporariamente: “Eu sou amor.”



Conclusão. 

 

Então, o que podemos aprender da sabedoria dos ancestrais e dos esforços contemporâneos da Mãe África, na questão da correção dos indivíduos e da construção harmoniosa da comunidade humana?


 Historicamente, muitas sociedades africanas pré-coloniais utilizavam abordagens que se concentravam mais na justiça restaurativa e na reconciliação comunitária do que na punição retributiva. 


·         O foco na Comunidade: A ênfase era frequentemente na restauração da harmonia social e na reparação de danos à vítima e à comunidade, em vez de isolar o ofensor.


·         O papel dos Anciãos/Líderes/Conselheiros:  Disputas e delitos eram frequentemente resolvidos através de conselhos de anciãos ou líderes comunitários, que mediavam o diálogo e buscavam soluções consensuais.


·         Os mecanismos de Correção:  As correções podiam incluir a reparação material (restituição de bens, gado, etc), a prestação de serviços à comunidade ou à vítima, e rituais de reconciliação para reintegrar o ofensor.


·         A Justiça Restaurativa: Modelos híbridos ou a reincorporação de princípios tradicionais estão a emergir em sistemas modernos, na África. Um exemplo proeminente é a Comissão da Verdade e Reconciliação (TRC, Truth and Reconciliation commission) na África do Sul após o apartheid, que utilizou um modelo de justiça restaurativa para abordar crimes passados, focando na verdade e na reconciliação em vez de apenas na punição, em vista à reconciliação e unidade da nação. O presidente dessa TRC, Desmond Tutu, escreveu com sua filha, Mpho Tutu, um livro admirável, “O livro do Perdão – para curarmos a nós mesmos e o nosso mundo”


Em resumo, a questão da justiça e da correção humana é complexa, mas existe um esforço contínuo na África para navegar a coexistência do pluralismo jurídico — combinando o direito consuetudinário com os quadros legais e modernos — e adaptar os métodos de correção para que sejam eficazes, socialmente justos e respeitem os direitos humanos. (Dados do Google)


Existe uma Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Carta de Banjul, desde 1981. 


Este é um texto, uma provocação provisória de Frei Basílio de Resende ofm

Postulantado Franciscano da Cruz de São Damião

BR 265, Km 261 - Trevo do Tejuco

São João Del Rei, MG

 
 
 

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