JÁ LERAM A ENCÍCLICA DO PAPA FRANCISCO "FRATELLI TUTTI - Sobre a Fraternidade e a Amizade Social"?
- Frei Basílio de Resende ofm
- 1 de nov. de 2020
- 5 min de leitura
Vejam que provocação e estímulo ao pensamento humanista, social, político e econômico.
Valores e limites das visões liberais
163. A categoria de povo, que inclui intrinsecamente uma avaliação positiva dos vínculos comunitários e culturais, habitualmente é rejeitada pelas visões liberais individualistas, que consideram a sociedade como uma mera soma de interesses que coexistem. Falam de respeito pelas liberdades, mas sem a raiz duma narrativa comum. Em certos contextos, é frequente acusar como populistas quantos defendem os direitos dos mais frágeis da sociedade. Para as referidas visões, a categoria de povo é uma mitificação de algo que não existe na realidade. Aqui, porém, cria-se uma polarização desnecessária, pois nem a ideia de povo nem a de próximo são categorias puramente míticas ou românticas que excluam ou desprezem a organização social, a ciência e as instituições da sociedade civil.[138]
164. A caridade reúne as duas dimensões – a mítica e a institucional –, pois implica um caminho eficaz de transformação da história que exige incorporar tudo: instituições, direito, técnica, experiência, contribuições profissionais, análise científica, procedimentos administrativos… Porque, «de fato, não há vida privada, se não for protegida por uma ordem pública; um lar acolhedor doméstico não tem intimidade, se não estiver sob a tutela da legalidade, dum estado de tranquilidade fundado na lei e na força e com a condição dum mínimo de bem-estar garantido pela divisão do trabalho, pelas trocas comerciais, pela justiça social e pela cidadania política».[139]
165. A verdadeira caridade é capaz de incluir tudo isto na sua dedicação; e se se deve expressar no encontro de pessoa a pessoa, também consegue chegar a uma irmã, a um irmão distante e até desconhecido através dos vários recursos que as instituições duma sociedade organizada, livre e criativa são capazes de gerar. Se voltarmos ao caso do bom samaritano, vemos que até ele precisou da existência duma estalagem que lhe permitisse resolver o que não estava em condições de garantir sozinho, naquele momento. O amor ao próximo é realista, e não desperdiça nada que seja necessário para uma transformação da história que beneficie os últimos. Às vezes deparamo-nos com ideologias de esquerda ou pensamentos sociais cultivando hábitos individualistas e procedimentos ineficazes, porque beneficiam a poucos; entretanto a multidão dos abandonados fica à mercê da possível boa vontade de alguns. Isto demonstra que é necessário fazer crescer não só uma espiritualidade da fraternidade, mas também e ao mesmo tempo uma organização mundial mais eficiente para ajudar a resolver os problemas prementes dos abandonados que sofrem e morrem nos países pobres. Naturalmente isto implica que não exista apenas uma possível via de saída, uma única metodologia aceitável, uma receita econômica aplicável igualmente por todos, e pressupõe que mesmo a ciência mais rigorosa possa propor percursos diferentes.
166. A consistência de tudo isto poderá ser bem pouca, se perdermos a capacidade de reconhecer a necessidade duma mudança nos corações humanos, nos hábitos e estilos de vida. É o que acontece quando a propaganda política, os meios e os criadores de opinião pública persistem em fomentar uma cultura individualista e ingênua à vista de interesses econômicos desenfreados e da organização das sociedades ao serviço daqueles que já têm demasiado poder. Por isso, a minha crítica ao paradigma tecnocrático não significa que só procurando controlar os seus excessos é que poderemos estar seguros, já que o perigo maior não está nas coisas, nas realidades materiais, nas organizações, mas no modo como as pessoas se servem delas. A questão é a fragilidade humana, a tendência humana constante para o egoísmo, que faz parte daquilo que a tradição cristã chama «concupiscência»: a inclinação do ser humano a fechar-se na imanência do próprio eu, do seu grupo, dos seus interesses mesquinhos. Esta concupiscência não é um defeito do nosso tempo; existe desde que o homem é homem, limitando-se simplesmente a transformar-se, adquirir modalidades diferentes no decorrer dos séculos, utilizando os instrumentos que o momento histórico coloca à sua disposição. Mas, é possível dominá-la com a ajuda de Deus.
167. A tarefa educativa, o desenvolvimento de hábitos solidários, a capacidade de pensar a vida humana de forma mais integral, a profundidade espiritual são realidades necessárias para dar qualidade às relações humanas, de tal modo que seja a própria sociedade a reagir face às próprias injustiças, às aberrações, aos abusos dos poderes econômicos, tecnológicos, políticos e mediáticos. Há visões liberais que ignoram este fator da fragilidade humana e imaginam um mundo que corresponda a uma determinada ordem que poderia, por si só, assegurar o futuro e a solução de todos os problemas.
168. O mercado, por si só, não resolve tudo, embora às vezes nos queiram fazer crer neste dogma de fé neoliberal. Trata-se dum pensamento pobre, repetitivo, que propõe sempre as mesmas receitas perante qualquer desafio que surja. O neoliberalismo reproduz-se sempre igual a si mesmo, recorrendo à mágica teoria do «derrame» ou do «gotejamento» – sem a nomear – como única via para resolver os problemas sociais. Não se dá conta de que a suposta redistribuição não resolve a desigualdade, sendo, esta, fonte de novas formas de violência que ameaçam o tecido social. Por um lado, é indispensável uma política econômica ativa, visando «promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial»,[140] para ser possível aumentar os postos de trabalho em vez de os reduzir. A especulação financeira, tendo a ganância de lucro fácil como objetivo fundamental, continua a fazer estragos. Por outro lado, «sem formas internas de solidariedade e de confiança mútua, o mercado não pode cumprir plenamente a própria função econômica. E, hoje, foi precisamente esta confiança que veio a faltar».[141] O fim da história não foi como previsto, tendo as receitas dogmáticas da teoria econômica imperante demonstrado que elas mesmas não são infalíveis. A fragilidade dos sistemas mundiais perante a pandemia evidenciou que nem tudo se resolve com a liberdade de mercado e que, além de reabilitar uma política saudável que não esteja sujeita aos ditames das finanças, «devemos voltar a pôr a dignidade humana no centro e sobre este pilar devem ser construídas as estruturas sociais alternativas de que precisamos».[142]
169. Em determinadas visões econômicas fechadas e monocromáticas, parece que não têm lugar, por exemplo, os Movimentos Populares que reúnem desempregados, trabalhadores precários e informais e tantos outros que não entram facilmente nos canais já estabelecidos. Na realidade, criam variadas formas de economia popular e de produção comunitária. É necessário pensar a participação social, política e econômica segundo modalidades tais «que incluam os movimentos populares e animem as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com aquela torrente de energia moral que nasce da integração dos excluídos na construção do destino comum» e, por sua vez, se incentive a que «estes movimentos, estas experiências de solidariedade que crescem de baixo, do subsolo do planeta, confluam, sejam mais coordenados, se encontrem».[143] Mas fazê-lo sem trair o seu estilo caraterístico, porque são «semeadores de mudanças, promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas de modo criativo, como numa poesia».[144] Neste sentido, são «poetas sociais» que à sua maneira trabalham, propõem, promovem e libertam. Com eles, será possível um desenvolvimento humano integral, que implica superar «a ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres, e muito menos inserida num projeto que reúna os povos».[145] Embora incomodem e mesmo se alguns «pensadores» não sabem como classificá-los, é preciso ter a coragem de reconhecer que, sem eles, «a democracia atrofia-se, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai-se desencarnando porque deixa fora o povo na sua luta diária pela dignidade, na construção de seu destino».[146]
(CARTA ENCÍCLICA FRATELLI TUTTI DO SANTO PADRE FRANCISCO SOBRE A FRATERNIDADE E A AMIZADE SOCIAL. Dado em Assis, junto do túmulo de São Francisco, na véspera da Memória litúrgica do referido Santo, 3 de outubro do ano 2020, oitavo do meu pontificado.)
Postado por Frei Basílio de Resende ofm /Facebook
Montes Claros, 22/10/2020
Blog: freibasilioderesende.org
Paz plena... Estou estudando essa encíclica e já estou no item 157. O Santo Padre está mostrando uma forma para por em prática o que Jesus ensinou.. Ele necessita também fazer uma reforma na Doutrina, pois o que divide as Religiões são sim muitos princípios doutrinários sofistas que foram impostos no passado a ferro e fogo, e que só são aceitos por causa da fé...
Veja na história da Igreja quantas pessoas já foram perseguidas por divergências doutrinárias?
Jesus veio nos ensinar a perdoar sempre e a amar a todos e não nos impôs nenhum dogma. A única hora que Jesus nos mandou foi essa:
"Isto vos mando: amai-vos uns aos outros" (Jo 15,17).
Que sábio nosso Precioso, Querido e Santo Papa... Ele tocou em várias questões.importantíssimas, eu, por exemplo, sempre me preocupei com uma política para os pobres, sem pensar que a melhor política é com os pobres, para que assim, eles deixem de ser passivos no processo, mas façam parte ativamente do processo e isso sim irá mudar a vida de todos de verdade. Espero que essas eleições nos tragam representantes com mais pensamento Cristão de fraternidade e igualdade social! :)